O pesadelo do Lumiar

No Lumiar, a construção de uma sala fixa para consumo vigiado de estupefacientes ao pé de escolas e creches continua a ser uma possibilidade. O pesadelo para a população ainda não acabou.

Como parte de uma política para enfrentar o problema da toxicodependência, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) planeia construir uma sala fixa para consumo vigiado de estupefacientes num edifício a construir no Lumiar, designado SAI (Serviço de Apoio Integrado). A justificação dada para este tipo de equipamento é retirar os consumos, em particular por via injectada, das ruas, onde ocorrem em condições de falta de controle, higiene e dignidade. No entanto, como os consumidores têm de comprar o produto (cocaína, heroína, etc.) antes de aceder à sala para se injectarem ou fumarem, isto pode gerar problemas, o principal dos quais é a insegurança. Por isso, o Decreto-Lei 183/2001, que regula este tipo de equipamentos, impõe um equilíbrio entre os interesses de consumidores e não consumidores, obrigando a evitar a exposição destes últimos.

No entanto este processo no Lumiar tem duas características que interessa realçar:

  • O diagnóstico que levou à decisão de instalação desta sala está desactualizado, ou seja, destina-se a resolver um problema que não se sabe se ainda existe. De facto, a zona de maior concentração de consumos no passado era o Bairro da Cruz Vermelha, que vai ser demolido e os seus habitantes realojados a mais de 1,5 km dali, na freguesia de Santa Clara. Além disso, toda a envolvente do bairro está em mutação urbanística e sociológica acelerada, com inúmeras novas construções habitacionais, residências de estudantes, etc.
  • A localização exacta da sala situa-se no centro do Lumiar, perto de escolas, creche, parque infantil e serviços públicos, mais perto destes do que do Bairro da Cruz Vermelha, e foi escondida da população e da Assembleia de Freguesia (AF), pela Junta de Freguesia e pela Câmara Municipal de Lisboa (CML), ambas do PS, até não poder mais. De facto, em 2018, foi divulgado um relatório da Comissão Social de Freguesia (orgão consultivo) sugerindo uma rua longa no Plano de Urbanização do Alto Lumiar para localização da sala. Não definia o local exacto e não era uma proposta da entidade responsável pela obra, a CML. A Junta de Freguesia lançou em 2018 uma consulta pública sobre o funcionamento do SAI, excluindo desta a questão da localização. O autor deste artigo, membro da AF, tomou conhecimento da localização exacta da sala, no Verão de 2020, por contacto de moradores do local (com os grupos políticos da AF), que por sua vez tomaram conhecimento disso por causa da placa junto ao tapume que delimita a zona de construção da obra, e que tinha de ser colocada por motivos legais.

Para justificar que o Decreto-Lei 183/2001 não está ser violado, o presidente da junta, que no Lumiar tem sido o principal defensor da instalação deste equipamento no centro da freguesia, disse na AF que a não exposição dos não consumidores está assegurada porque o SAI será murado. Ou seja, basta que não se veja o que se passa lá dentro e esta parte da lei está cumprida. Mas como não passaria pela cabeça de ninguém que o interior do SAI fosse visível da rua, o cumprimento da lei é automático e se a lei não existisse o resultado era o mesmo. Ou seja, esvazia-se completamente a lei nesta questão. Mas isto abre um precedente: se for assim no Lumiar, quem é que pode impedir a CML de fazer o mesmo em qualquer outra zona de Lisboa? Qualquer um poderá acordar um dia e descobrir que vão construir uma sala de consumo de droga ao lado da sua casa ou da escola dos seus filhos.

Tudo isto tem revoltado a população local. Trata-se de atrair e concentrar toxicodependentes no centro do Lumiar, onde há escolas, creches e serviços públicos. E como o SAI está a 200 metros da estação de Metro do Lumiar, aumenta o risco de que atraia muitos toxicodependentes de outras zonas de Lisboa. E sendo uma instalação fixa onde a CML vai investir mais de um milhão de euros, ou seja, que não se muda facilmente, tem um potencial acrescido de também atrair o tráfico de droga, gerando um ambiente de grande insegurança, ou seja, este projecto é um pesadelo para a população.

Na sequência disto foi aprovada em 30 de Setembro de 2020 na AF uma Moção para suspender e reanalisar este processo, e no mês passado foi aprovado na Assembleia Municipal uma recomendação semelhante. Até há poucos dias tudo isto era rejeitado pelo presidente da junta e pela CML, numa atitude intransigente de “eu quero, posso e mando”. Na última AF, a 30 de Junho de 2021, dá-se o volte-face: a junta propôs à AF uma Moção, que foi aprovada, em que se recomenda que se reanalise o processo e se proponham localizações alternativas, quando até há pouco o presidente da junta dizia que o local escolhido era o único possível. Ou seja, o presidente da junta recomendou ao presidente da junta que fizesse o contrário do que o presidente da junta fez durante os últimos três anos. Seria óptimo se isto fosse sincero, mas que credibilidade é que se pode atribuir a uma cambalhota mental em vésperas de eleições? Acresce que como a construção da sala ao pé de escolas e creches continua a ser uma possibilidade, o pesadelo do Lumiar ainda não acabou.

Membro da Assembleia de Freguesia do Lumiar, eleito como independente pelo PSD

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