Montepio, uma relação financeira endogâmica

A confusão de identidades do Banco Montepio e da Associação Mutualista, que convivem num mesmo espaço físico e numa aparente mesma área de atividade, enviesa a relação, e o que o cliente julga ter subscrito pode, afinal, não ser aquilo que efetivamente subscreveu.

“–​ Fui ao banco [Montepio] e apliquei parte do dinheiro da venda da casa…
–​ Ah! Que produto subscreveu?
O empregado disse-me que o melhor era uma aplicação a três anos na Associação Montepio, porque rendia mais do que os depósitos… que era tudo o mesmo, mas que podia ganhar mais…
Explicaram-lhe que a Associação não é um banco e, por isso, não há garantia de depósitos como aconteceria se depositasse o dinheiro no Banco Montepio?
–​ Não… Mas então não é a mesma coisa?”

Extrato de conversa recente, que reflete a perceção errada que uma parte dos clientes do Banco Montepio tem quanto a este ser a mesma entidade que o Montepio Geral – Associação Mutualista (MGAM). Não é. A associação não é um banco e, como tal, não pode receber depósitos, nem está sujeita aos mesmos critérios apertados de controlo que o regulador (Banco de Portugal) impõe a qualquer banco.

A cupidez de quem aplica poupanças – é difícil resistir a uma taxa remuneratória mais elevada – corre a par com o interesse de quem, no outro lado da mesa, necessita de recolher essas poupanças. Este contexto poderia consubstanciar uma vulgar e equilibrada relação negocial. Não consubstancia. A confusão de identidades e especificidades daquelas organizações, que convivem num mesmo espaço físico e numa aparente mesma área de atividade, enviesa a relação, e o que o cliente julga ter subscrito pode, afinal, não ser aquilo que efetivamente subscreveu.

Os casos do BPN – Banco Português de Negócios, em 2008; do BES – Banco Espírito Santo, em 2014, pesem todas as diferenças que entre eles existiram, partilham um elemento em comum: a instituição bancária era a colocadora, junto dos seus clientes, de produtos financeiros emitidos pelas empresas dos respetivos grupos. Ambos os desfechos foram traumáticos: para o erário público, mas também para o elevado número dos denominados “lesados”, pessoas e instituições que ainda hoje procuram ser compensadas das perdas financeiras em que incorreram e que, se julga, terão sido exponenciadas pela relação endogâmica entre o negócio bancário e as empresas do grupo.

O mínimo que se poderia esperar era que este tipo de endogamia não voltasse a ser permitido, para que qualquer aforrador, independentemente da respetiva literacia financeira, pudesse tomar as suas decisões de poupança num contexto transacional mais transparente.

Não é isso que acontece no caso do Banco Montepio. Pode esta entidade argumentar que a venda dos referidos produtos financeiros de poupança não tem intervenção de pessoal do banco, mas é efetuada por pessoal da MGAM. Este esquema, assente nos denominados “gestores mutualistas”, aparentemente montado para contornar a endogamia a que se fez menção, em nada reduz a opacidade. Como será que um cliente vê o funcionário bem vestido que, no interior da agência bancária, o atende para lhe vender produtos de poupança da associação? Como funcionário do banco e, como tal, assume que está a subscrever produtos deste. Mesmo que o dito funcionário lhe afirme, a pés juntos, que é funcionário da MGAM. A falta de transparência é a mesma, e com a agravante de haver o intuito deliberado de contornar um comportamento que se sabe ser incorreto.

A MGAM vem passando, de há anos a esta parte, por dificuldades económicas, que expedientes contabilísticos, como a utilização dos denominados “impostos diferidos”, têm permitido camuflar, evitando despertar a atenção do grande público. Mas elas são reais e dificilmente serão sanadas pela mera passagem do tempo. Até por isso, esperar-se-ia que as autoridades governamentais e de supervisão tivessem particular atenção à referida situação endogâmica, atuando por antecipação.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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