O Capital Natural, os Ecossistemas e o Valor

Os projetos e os negócios que colocam em risco elevado a resiliência e a sobrevivência dos ecossistemas naturais podem ser rentáveis na ótica do investidor; porém, na ótica ambiental, serão sempre negativos a curto ou a longos prazos.

Grandes barragens construídas ao longo das bacias hidrográficas; infraestruturas (aeroportuárias, logísticas, rodoviárias) e projetos mineiros que afetam importantes áreas naturais, protegidas por leis nacionais e internacionais; proliferação desordenada de moinhos eólicos e de painéis solares; projetos agrícolas e silvícolas de monoculturas intensivas; pressão imobiliária constantemente exercida sobre zonas costeiras, húmidas, de Reserva Agrícola, de Reserva Ecológica, ou em leitos de cheia, são exemplos de exploração económica de recursos naturais (RNs) – em geral – e de ecossistemas – em particular –, feita em nome do desenvolvimento, do crescimento, e da criação de riqueza e emprego, segundo a lógica do aproveitamento das oportunidades de mercado e de maximização do lucro.

Projetos e negócios deste tipo exploram e afetam bacias hidrográficas, solos classificados, áreas naturais protegidas por lei pelo seu elevado valor ecológico e pela raridade da biodiversidade que contêm. Exercem fortíssima pressão antrópica sobre os ecossistemas naturais, colocando-os em risco elevado, destruindo-os, ou interferindo com a sua resiliência e, portanto, com a sua capacidade de regeneração natural.

Acreditamos que estes projetos são alvo de análises custo-benefício financeiras (ACBF), onde os cash-flows financeiros (que incluirão, em muitos casos, os custos financeiros das medidas de mitigação e/ou de compensação dos danos ambientais) são estimados; onde se calcula a taxa interna de rentabilidade; e se projeta o período de recuperação do investimento. Nada contra, como é óbvio! Porém, será que esta metodologia de avaliação é suficiente para avaliar projetos com grande impacte ambiental?

Os projetos e os negócios que colocam em risco elevado a resiliência e a sobrevivência dos ecossistemas naturais podem ser rentáveis na ótica do investidor; o seu contributo para o bem-estar social poderá, até, ter um valor global positivo; porém, na ótica ambiental, serão sempre negativos a curto ou a longos prazos. Logo, todos os efeitos negativos que os projetos antrópicos possam ter sobre os ecossistemas deveriam ser internalizados nos processos de tomada de decisão, política e empresarial.

A exploração economicamente eficiente de ecossistemas naturais gera um conjunto de efeitos externos negativos, as externalidades; e nem todos são, habitualmente, contabilizados na ACBF. As externalidades – algumas calculadas em estudos de impacte ambiental – vão-se revelando, à medida que evolui a exploração económica. Dependendo da capacidade de resiliência dos ecossistemas e da intensidade da sua exploração antrópica, muitas das externalidades negativas (por exemplo, a perda da biodiversidade, a alteração da paisagem, a desertificação dos solos) tornam-se naturalmente irrecuperáveis; e a sua putativa substituição por bens e serviços antrópicos, integrados em ações de compensação e de mitigação de danos ambientais segundo a lógica da sustentabilidade fraca, está longe de ser suficiente, não passando, muitas vezes, de placebos, apenas aplicados para viabilizar os investimentos, apaziguar as consciências e/ou calar eventuais protestos sociais.

Se a exploração antrópica dos ecossistemas cria riqueza monetária, ela também os destrói, ou seja, destrói um ativo natural cujo valor monetário é desconhecido; e fá-lo a um ritmo diretamente proporcional ao da intensidade da sua exploração.

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BRUNO KELLY/REUTERS

Os ecossistemas são formas de capital natural (CN). O conceito de capital aplicado a ativos naturais foi desenvolvido e definido, na década de 1990, pelos economistas ecológicos Herman Daly e Robert Constanza, como uma extensão do conceito económico de capital (recursos que permitem a reprodução de mais recursos a longo prazo). O CN é, portanto, o stock mundial dos ecossistemas terrestres e estes, por sua vez, incluem elementos bióticos (comunidades vivas como plantas, animais, fungos e bactérias) e abióticos (elementos físicos como mineralogia e geologia, água, luz solar, substâncias químicas). Todos são ativos de capital porque permitem reproduzir, sustentavelmente, novos recursos naturais, ou seja, novos bens e serviços, a longo prazo.

Os ecossistemas funcionam como se fossem um gigantesco complexo fabril que produz enorme variedade de bens – solo, água, ar limpo, plantas, animais, minerais, etc. – e de serviços – purificação da água, biodiversidade, produção de solos férteis, regulação do ciclo hídrico, polinização, fotossíntese, controle da erosão, captura de carbono, controle climático, etc. São eles que sustentam as nossas economias e sociedades e, alguns, são (por enquanto) insubstituíveis, por exemplo, enquanto sistemas de suporte de vida. São tão essenciais à economia como as outras formas de capital; o financeiro, o construído, o humano e o social.

Alguns, podem ser facilmente avaliados pelo seu preço de mercado, porque são transacionáveis (madeira, minerais, purificação da água). Mas muitos outros não o são, porque não são transacionáveis (é o caso de quase todos os serviços ambientais). Se todos não forem avaliados – ou, sendo-o, permanecerem subavaliados –, a economia e a sociedade nunca saberão o real valor da destruição provocada. Em consequência, será incentivada a sobre exploração antrópica dos ecossistemas, até se atingir o estado de escassez ou de alteração irreversível ao seu funcionamento, perdendo-se, então, todos os benefícios que o seu uso e não-uso antrópicos poderiam gerar, sustentavelmente, se continuassem a existir. Ou seja, as economias perderão irreversivelmente os valores de uso (benefícios diretos, indiretos e de uso vicário, associados ao seu uso) e de não-uso (benefícios associados a critérios altruísticos e morais, como os de legado ou de existência). Segundo a teoria utilitarista, o somatório de todos os valores (benefícios) perdidos representa o valor económico total do CN destruído.

Então, os ecossistemas afogados nas águas das albufeiras das barragens, as zonas húmidas, a orla costeira, os solos das Reservas Agrícola e Ecológica ocupados por projetos imobiliários, os solos que suportam monoculturas intensivas, as paisagens perdidas, os ecossistemas sob ameaça de exploração mineira, todos são exemplos de formas de CN destruídas ou ameaçadas de destruição irreversível e, portanto, de perda efetiva de valor pela sociedade.

A perda destes ativos é, de certa forma, equivalente à perda de ativos de capital construído. Porém, enquanto estes são recuperáveis por via do investimento (em edifícios, infraestruturas, etc.), a perda de ecossistemas pode não o ser. Assim, é imperioso que o valor total do CN destruído ou ameaçado pelos projetos seja totalmente incluído na ACBF; e não, apenas, os custos com a mitigação ou compensação dos danos ambientais, ou o valor perdido em bens naturais transacionáveis.

Esta prática permitiria fazer a análise de sustentabilidade real dos projetos, nas suas três vertentes, em simultâneo: a económica, a social e a ambiental.

Do ponto de vista técnico, é possível avaliar monetariamente os ecossistemas enquanto formas de CN. Esta avaliação torna-se cada vez mais imperativa à medida que os nossos ecossistemas naturais rareiam, minguando inexoravelmente em qualidade e quantidade, na pira sacrificial do crescimento eterno, em nome dos negócios e da exploração económica eficiente.

Se os ecossistemas tivessem voz exigiriam enfaticamente: “Avaliem-nos de forma justa/completa!!!”

Porém, eles não têm voz.

Mas a Sociedade tem.

Nota: Agradeço os comentários da minha colega, Idalina Dias Sardinha, professora do ISEG e investigadora do CSG/SOCIUS em Ciência da Sustentabilidade, Universidade de Lisboa

Maria Isabel Mendes é professora do ISEG e investigadora do CSG/SOCIUS em Economia do Ambiente, Economia Ecológica e Ciência da Sustentabilidade, Universidade de Lisboa

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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