Transferências para paraísos fiscais aumentaram na pandemia

Cerca de 6500 empresas e 5200 particulares fizeram transferências para contas em jurisdições de baixa tributação ou centros opacos a nível financeiro e tributário.

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Os principais destinos, como Hong Kong, não fazem parte da lista de paraísos fiscais elaborada pela UE Tyrone Siu

O valor das transferências realizadas por clientes bancários em Portugal para contas sediadas em paraísos fiscais (pelos próprios ou por outras entidades) aumentou em 2020, período marcado pela pandemia à escala global, mostram dados divulgados nesta quarta-feira pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). A subida contraria a tendência dos anos anteriores.

Os fluxos de 2020 superaram o patamar de 6800 milhões de euros, crescendo 14% em relação a 2019, ano em que o total enviado a partir de Portugal ficara imediatamente abaixo de 6000 milhões.

O aumento deve-se a um acréscimo de transferências ordenadas por residentes em Portugal para um valor próximo ao que se registara em 2018.

A Suíça, as Baamas, Hong Kong, os Emirados Árabes Unidos, Macau e Singapura são os principais destinos do dinheiro. O centro financeiro helvético continua a dominar — é para lá que são enviados mais de um terço do volume de transacções, cerca de 2800 milhões de euros.

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Apesar do valor transferido ter aumentado para o conjunto das 75 jurisdições enumeradas nas estatísticas do fisco, o número total de operações diminuiu, o que significa que o montante médio associado a cada transacção foi maior (era de 56,8 mil euros em 2019 e passou a ser de 68,7 mil em 2020). Ao todo, houve 99.632 operações (contra 105.392 no ano anterior). Foram 11.768 os clientes bancários que ordenaram transacções. Cerca de 6500 são empresas e 5200 são particulares.

Do total de 99.632 operações, a larga maioria (88%) são realizadas por residentes em Portugal (87.674 transacções), tendo os restantes 12% origem em clientes bancários não residentes em Portugal.

A queda a que se assistiu no número individual de operações é mais visível entre os clientes bancários não residentes no país.

Em valor, os residentes foram responsáveis pelo envio de 4832 milhões de euros, enquanto os não residentes transferiram 2013 milhões.

Há mais de uma década que os bancos têm de comunicar ao fisco este tipo de operações e, a partir de 2017, passaram a ter incluir também as operações fraccionadas sempre que a soma das transacções de um cliente ultrapassasse o limiar que obriga as instituições financeiras a fazerem essa comunicação (12.500 euros), o que fez subir o valor das transferências comunicadas daí em diante. Como os bancos enviam a informação sobre a realidade do ano anterior, isso reflectiu-se nas estatísticas de 2016 e nos anos seguintes. Os dados do fisco permitem ver que em 2016 e 2017, o montante das transferências foi superior a 10 mil milhões de euros por ano (10.551 milhões em 2016 e 10.380 milhões em 2017); em 2018 baixou para 9061 milhões e em 2019 voltou a cair, para 5988 milhões, mas, agora, em 2020, registou-se a tendência inversa.

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Com excepção do Panamá, os principais destinos não fazem parte da lista de paraísos fiscais elaborada pela União Europeia (UE), que actualmente se cinge a 12 territórios (Anguila, Domínica, Ilhas Fiji, Guame, Palau, Panamá, Samoa, Trindade e Tobago, Ilhas Virgens dos Estados Unidos, Vanuatu, Seicheles).

O próprio Parlamento Europeu já chamou a atenção para a circunstância de, com uma lista tão curta, essas jurisdições só representarem uma pequena parte das perdas de receitas fiscais imputáveis a nível mundial a pessoas ou entidades presentes em jurisdições de baixa tributação ou centros opacos a nível financeiro e tributário.

Antes da última revisão da lista europeia, o Parlamento concluiu que aquelas jurisdições só cobriam 2% das perdas. E como os eurodeputados consideraram a lista “ineficaz”, aprovaram uma resolução exigindo aos governos maior “coerência” e “critérios de inclusão mais rigorosos e imparciais”, para abarcar mais territórios, desde logo as Ilhas Caimão, consideradas a “jurisdição responsável pela maior parte das perdas fiscais a nível mundial, custando a outras jurisdições mais de 70 mil milhões de dólares por ano, ou seja, 16,5 % das perdas fiscais totais”.

Em Portugal, as Ilhas Caimão aparecem como o 21.º destino das transferências (em 2020, foram enviados 23,5 milhões em 142 operações, o que representa uma média de 165 mil euros por transacção).

Uma das questões centrais que hoje se discute a nível global tem a ver com a resposta a dar às estratégias de desvio de lucros das empresas para paraísos fiscais.

No caso português, a publicação dos dados das estatísticas permite verificar que o principal motivo das transferências concretizadas em 2020 foi a realização de transacções referentes a uma instrução de gestão de tesouraria (3164 milhões de euros). A segunda principal razão foi a transacção referente à liquidação do pagamento numa operação financeira (como a operação de compra ou venda de títulos), que representou cerca de mil milhões de euros. Outros 800 milhões referem-se a pagamentos a fornecedores.

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