O desafio: que regime de previdência queremos?

O tema que os advogados vão referendar a 30 de Junho é denso, mas essencial. Assim, gostaria de dar um derradeiro contributo para aqueles que ainda têm dúvidas e esclarecer os prós e contras da escolha a fazer entre o Regime da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (RCPAS) e o Regime Geral dos Trabalhadores Independentes (RGTI).

Aproxima-se o dia 30 de Junho e, com ele, um dos momentos mais importantes da vida dos advogados/as: o referendo que vai decidir do futuro da nossa previdência. Depois de mais de um ano de dificuldades e de debates intensos, chegou a hora de nos fazermos ouvir.

É importante que independentemente das posições de cada advogado/a, se incite à forte participação no referendo. Está no timbre da nossa profissão a saudável irreverência de querer mudar, e de estar ao lado dos cidadãos. Agora, chegou o momento de decidirmos sobre os nossos direitos, sobre o nosso futuro. Não participar é deixar que outros decidam por nós e não podemos correr esse risco.

É também essencial exaltar a ética de cada um de nós, não consentindo que a saudável irreverência se transforme em desrespeito pelas diferentes opiniões. A escritora inglesa Evelyn Beatrice Hall ofereceu ao mundo uma das expressões que tão bem caracteriza a ética e os valores dos advogados/as: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que dizes, mas defenderei até a morte o direito de o dizeres.

A Democracia é o reino das opiniões diversas e do respeito por toda e cada uma delas. As opiniões desiguais não significam, nem podem expressar, a desunião, a colisão ou ruturas no seio da classe.

O tema que vamos referendar a 30 é denso, mas essencial. Assim, gostaria de dar um derradeiro contributo para aqueles que ainda têm dúvidas e esclarecer os prós e contras da escolha a fazer entre o Regime da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (RCPAS) e o Regime Geral dos Trabalhadores Independentes (RGTI).

Este artigo explora as conclusões/recomendações do Relatório Final do Grupo de Trabalho CPAS, a par de outros pareceres proferidos no âmbito das iniciativas legislativas em curso.

RCPAS: aspetos desfavoráveis à permanência

  • Falta de apoio na saúde e em situações de carência económica;
  • Falta de capacidade financeira para fazer face aos encargos de cariz assistencial, com a extensão reconhecida à Segurança Social. Os beneficiários da CPAS têm, contudo, acesso ao benefício de internamento hospitalar, apoios à recuperação e ação médica e medicamentosa;
  • Falta de acesso dos beneficiários da CPAS às prestações previstas no RGTI para proteção da parentalidade, doença e cessação involuntária de atividade;
  • Os trabalhadores independentes (TI), quando têm acesso aos subsídios da Segurança Social, não estão obrigados ao pagamento das contribuições durante esse período, ao contrário do RCPAS onde se mantem o seu pagamento;
  • Modelo contributivo assente em escalões, em função dos anos de exercício profissional e não dos rendimentos. Estabelece-se ainda um regime de contribuições com base em rendimentos presumidos. O regime atual é muito atrativo para os beneficiários com níveis de rendimentos percebidos mais elevados;
  • Para remunerações de igual valor, o RGTI apresenta-se menos oneroso do ponto de vista contributivo, ao estabelecer uma taxa contributiva nominal (21,4%) mais reduzida que a do RCPAS (24%). No entanto, a taxa contributiva efetiva no regime de apuramento trimestral do rendimento relevante do RGTI é significativamente mais reduzida (14,98%) do que a vigente na CPAS que, por força da sua indexação a remunerações convencionais fixas, pode ultrapassar a taxa nominal, sobretudo quando o rendimento real dos beneficiários não atinja a base de incidência contributiva mínima referente ao 5.º escalão contributivo;
  • Os advogados, solicitadores e agentes de execução enquanto profissionais liberais, enquadrados no RGTI, não podem beneficiar do subsídio de desemprego, pois este está previsto apenas para os empresários em nome individual. Só haveria direito ao subsídio de desemprego caso fossem economicamente dependentes de uma entidade contratante;
  • A impossibilidade de os beneficiários pedirem o resgate das contribuições em caso de cancelamento da sua inscrição.

RGCPAS: aspetos favoráveis

  • Na CPAS, as condições de acesso à pensão de reforma apresentam-se mais vantajosas face ao Regime Geral da Segurança Social (RGSS), com o cumprimento de um prazo de garantia mais reduzido (10 anos vs. 15 anos), sendo a idade de reforma fixa (65 anos) igualmente inferior à atual idade normal de reforma do RGSS (66 anos e 6 meses em 2021), cuja indexação à evolução da esperança média de vida aos 65 anos faz prever o seu contínuo aumento;
  • Total cumulação de benefícios imediatos e diferidos, com os de outra natureza, advindos de outras entidades;
  • Existe uma livre cumulação de rendimentos de pensões com rendimentos de trabalho, podendo o reformado continuar a trabalhar, o que assegura uma melhor transição entre a vida ativa e a reforma;
  • Sustentabilidade financeira da CPAS comparativamente com a Segurança Social;
  • A CPAS, através do “Regulamento de resposta às consequências da epidemia do novo coronavírus – covid-19”, estabeleceu medidas excecionais e temporárias em matéria de contribuições aplicáveis aos beneficiários que sejam afetados direta ou indiretamente pela epidemia ou sofram uma quebra de rendimentos que os impeça de satisfazer as suas obrigações contributivas perante a CPAS, em virtude de doença ou redução anormal de atividade relacionadas com a referida situação epidemiológica;
  • Independência do Estado.

RCPAS: possíveis soluções

1. Reforma do RCPAS:

  • Com a (i) previsão de escalões contributivos calculados com base em escalões de rendimentos percebidos, o que equivalerá à diminuição da taxa de esforço nos primeiros escalões de rendimento e à majoração da contribuição nos escalões de rendimentos superiores; (ii) previsão de proteção na doença; e (iii) eliminação da dupla tributação para os beneficiários que exerçam a sua atividade exclusivamente enquanto trabalhadores por conta de outrem;
  • Em situações de exceção (como a atual), a CPAS proverá soluções adequadas e atempadas para os beneficiários com comprovada quebra abrupta de rendimentos, equacionando-se, designadamente: (i) redefinição da relação contributiva – reinício das contribuições a partir do 1.º ou 2.º escalão, independente do número de anos de inscrição, desde que se comprove a insuficiência económica; ou (ii) suspensão temporária da obrigação contributiva, com possibilidade de prorrogação, em contexto de comprovada quebra de rendimentos; ou (iii) interrupção da obrigação contributiva com prolongamento da carreira contributiva pelo período respetivo, em contexto de comprovada quebra de rendimento; e
  • A constituição e regulamentação de um fundo de assistência 100% orientado para situações excecionais, o qual deverá ser objeto de dotação de recursos com base nas reservas da CPAS.

2. Integração da CPAS no RGSS:

  • Considerar, neste cenário, a necessidade de um plano para a integração plena dos beneficiários que têm dívidas à CPAS;
  • Garantia da transferência para a Segurança Social dos descontos já feitos para a CPAS;
  • Garantia de que quem descontou para os dois sistemas (caso de advogados ou solicitadores que são também trabalhadores por conta de outrem) não seja prejudicado;
  • Apurar a situação dos beneficiários que descontaram para a CPAS por períodos inferiores a dez anos e que, pretendendo sair, perderam o direito a esses descontos e os impactos que esta circunstância terá no cálculo de uma futura pensão paga pela Segurança Social.

Seja qual for o resultado do referendo, a nossa maior força terá de ser a união. Vamos todos, com respeito, dignidade e coragem, decidir democraticamente. É assim que fazemos. É assim que somos, advogadas e advogados!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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