Alterações climáticas afectam o ciclo de vida do robalo

Com “o aumento da temperatura do mar” e a “variabilidade atmosférica e oceânica”, os robalos nascem cada vez mais tarde.

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Enric Vives-Rubio /Arquivo

Um estudo conduzido por uma equipa de investigadores da Universidade de Coimbra (UC) “permitiu compreender, pela primeira vez”, como o início do ciclo de vida do robalo é influenciado pelas alterações climáticas.

Os resultados da investigação, coordenada por Miguel Pinto, Filipe Martinho e Miguel Pardal, do Laboratório de Investigação Marinha do Centro de Ecologia Funcional (CFE), da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC, indicam que, com “o aumento da temperatura do mar” e a “variabilidade atmosférica e oceânica, medida pelo índice da Oscilação do Atlântico Norte (NAO, na sigla em inglês)”, os robalos nascem cada vez mais tarde, revelou esta segunda-feira a UC em comunicado.

“O que pode ser prejudicial devido à possível quebra da sincronia entre as larvas recém-eclodidas e a sua fonte preferencial de alimento, zooplâncton”, afirma Filipe Martinho, citado na nota da UC. De igual modo, acrescenta o investigador, “uma eclosão mais tardia poderá coincidir com os fenómenos de afloramento costeiro típicos da Primavera e Verão, que podem impedir as larvas de chegar aos estuários e assim completar o seu ciclo de vida”.

“Em anos de NAO negativa, reconhecidos como períodos de produtividade oceânica muito reduzida, o atrasar da eclosão poderá contribuir para uma elevada mortalidade dos juvenis, com efeitos negativos nos stocks pesqueiros a longo prazo”, salienta o investigador. Este estudo, publicado na revista científica Marine Environmental Research, avaliou a variabilidade interanual das datas de eclosão e crescimento do robalo na costa portuguesa, ao longo de um período de sete anos (2011-2017).

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Os otólitos (estruturas do ouvido interno) do robalo que servem como uma impressão digital DR

Para conseguir esta análise, uma vez que o acesso a amostras no ambiente marinho é bastante complicado, foram utilizados os otólitos (estruturas no ouvido interno dos peixes com formas muito variadas e que são característicos de cada espécie e que são usados como uma impressão digital) de robalos juvenis, permitindo assim maximizar a informação obtida sobre as espécies ao longo da sua vida.

No caso da espécie em estudo, a “deposição de um novo anel a cada dia permitiu determinar com precisão a sua data de nascimento, a sua idade, bem como a taxa de crescimento diária, obtida através da distância medida entre cada anel”, refere Filipe Martinho. A equipa observou ainda que o crescimento dos robalos é bastante rápido nos primeiros dias de vida, “suportando a teoria de Johan Hjort (1914) relativa à existência de um período crítico de crescimento que irá determinar o sucesso (ou não) de uma coorte. Ou seja, quanto mais crescem nos primeiros dias de vida, maior a probabilidade de alocar energia para nadar activamente, procurar alimento, fugir a predadores e, claro, de conseguir fazer a migração entre a zona costeira e os estuários”, acrescenta o investigador do Departamento de Ciências da Vida da UC.

Segundo os autores do estudo, os resultados obtidos têm várias implicações para a gestão das pescas num contexto de alterações climáticas.

“Ao sabermos que aumentos na temperatura da água do mar irão levar a que a eclosão desta espécie seja cada vez mais tarde, e quais as consequências desse atraso em termos da conectividade mar-estuário e na dinâmica populacional, poderemos prever o impacto que o aquecimento global irá ter nos stocks desta espécie e contribuir para o desenvolvimento de medidas de gestão adequadas”, notam os investigadores.

Por outro lado, a relação com a temperatura da água do mar fornece informações “preciosas acerca da capacidade (ou não) desta espécie lidar com as alterações climáticas”, realçam ainda os investigadores, concluindo que, de facto, “o robalo é uma espécie muito apreciada pelos consumidores, o que tem contribuído para o seu declínio generalizado em estado selvagem na Europa”. Em Portugal, “a estrutura dos stocks desta espécie é virtualmente desconhecida, pelo que, mais do que nunca, é necessário desenvolver medidas de gestão e protecção direccionadas a esta espécie”.

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