Cairá a Europa na armadilha de Orbán?

Tal como o autarca de Munique, as instâncias europeias só vêem o que Orbán quer que vejam: a provocação ideológica, a guerra cultural e a teoria da conspiração. Ao mesmo tempo, passando despercebido, Orbán faz planos para manter a sua influência no país mesmo que seja derrotado na Primavera de 2022.

A recusa da UEFA em aceder ao pedido do autarca de Munique para iluminar o estádio da cidade com as cores do arco-íris durante o jogo de futebol desta semana entre a Alemanha e a Hungria, para o Euro 2020, foi justificada. Não só porque teria misturado desporto com política, mas porque teria sido contraproducente: o político alemão teria caído na mais recente armadilha de Orbán.

O autarca de Munique estava a reagir à nova lei aprovada pelo parlamento húngaro, dominado por Orbán, há uma semana, que proíbe a divulgação de conteúdos sobre orientação sexual a menores de 18 anos que possa ser entendida como “promoção” da homossexualidade e, além disso, exige que as organizações tenham uma licença governamental para dar aulas de educação sexual nas escolas.

O suposto objetivo deste projeto de lei era “reprimir o abuso sexual de crianças”, mas com uma emenda de última hora confundiu deliberadamente a pedofilia com pessoas LGBT+. A lei segue duas decisões recentes do governo de Orbán para limitar os direitos LGBT+: impedir que pessoas transgénero mudem os seus nomes em documentos oficiais e restringir seriamente os direitos de adopção por pessoas solteiras (e casais do mesmo sexo).

No ano passado, József Szájer, o principal eurodeputado do Fidesz, demitiu-se após ter ter sido apanhado numa orgia homossexual que estava a violar as rigorosas medidas de combate à pandemia impostas por Bruxelas. Ao tomar conhecimento do escândalo, Orbán disse: “O que József Szájer fez não tem lugar nos valores da nossa família política. (...) os seus atos são inaceitáveis e indefensáveis.”

O líder do partido não especificou exactamente o que considerou inaceitável: o facto de Szájer ser homossexual, a violação das regras do confinamento ou a forma escandalosa como foi apanhado – mas estou convencida que a sua indignação foi motivada por este último. A orientação sexual de Szájer foi um segredo do domínio público no partido Fidesz desde o início, embora a sua esposa Tünde Handó seja uma advogada proeminente e a mais recente nomeada de Orbán para o Tribunal Constitucional da Hungria. A história de Szájer ajuda a elucidar a atitude hipócrita do Fidesz em relação à homossexualidade: ser homossexual não é um problema dentro do Fidesz, mas só até ao momento é que isso é tornado público.

Quando o Fidesz, que fora liberal, se transformou numa força conservadora, adoptou o slogan “Deus, pátria e família”. No entanto, ciente de que a opinião pública estava a tornar-se mais liberal na Hungria, o Fidesz estabeleceu a regra tácita de que todos podem ter qualquer orientação sexual, desde que não esteja à vista. Um político Fidesz disse, recentemente: “Connosco no Fidesz, todos podem assumir livremente a sua identidade sexual” [1]. As recentes leis LGBT+ do Fidesz seguem sobretudo esta abordagem, que adopta a visão maioritária entre os húngaros.

Então porque é que o Fidesz aprovou intencionalmente leis tão provocatórias para censurar a comunidade LGBT+? O contexto plausível é a realização das eleições parlamentares da Hungria na Primavera de 2022. Ao contrário do que aconteceu nas duas eleições anteriores, a oposição fragmentada da Hungria está a cooperar estreitamente para tentar expulsar Orbán.

Uma vez que o Fidesz e a oposição estão em confronto directo nas sondagens, o partido de Orbán poderá perder as eleições daqui a dez meses, após doze anos de remodelação da Hungria. O desafio não poderia ser maior para ambas as partes.

Há três razões pelas quais Orbán introduziu a lei anti-LGBT+ na semana passada. Em primeiro lugar, faz parte de uma conspiração antiliberal, em constante crescimento, sobre propaganda gay a conquistar o mundo, tratando-se de um instrumento eficaz para mobilizar os eleitores rurais, as “pessoas normais” a serem colocadas contra a Budapeste liberal. Orbán precisa de reunir cada voto da extrema-direita.

A segunda razão é dividir a oposição, onde sete partidos estão penosamente de acordo sobre qual o candidato que irá concorrer em cada um dos 106 círculos eleitorais contra o candidato do Fidesz. A frágil coligação incorpora Liberais, Socialistas, Verdes e a ala direita Jobbik, que votou a favor da lei anti-LGTB+, enquanto outros partidos da oposição a boicotaram.

Por fim, a cínica lei anti-LGBT+ visava provocar um choque liberal europeu que desviaria a atenção dos outros projectos de lei seriamente problemáticos votados no mesmo dia. O Fidesz aprovou um orçamento que dá carta-branca ao governo para disponibilizar dinheiro ilimitado aos húngaros antes das eleições. Estabeleceu uma fundação pública para acolher o campus privado da Universidade Fudan, China em Budapeste – que será construído com um empréstimo chinês que irá endividar os contribuintes húngaros durante décadas, privando, ao mesmo tempo, as universidades húngaras do acesso aos fundos governamentais e europeus de investigação.

O Fidesz estabeleceu este tipo de fundações de gestão de bens públicos há alguns meses para canalizar bens e propriedades estatais – por exemplo, universidades e auto-estradas – para entidades lideradas pelo Fidesz. Estas fundações, repletas de nomeados pelo Fidesz, criarão um Estado-sombra dentro do Estado, que impossibilitará a capacidade do próximo governo para governar se o Fidesz perder as eleições.

Infelizmente, esta série de decisões que ameaçam a integridade do Estado húngaro não desencadeou qualquer protesto por parte de Ursula von der Leyen, do Departamento de Estado norte-americano ou do Governo alemão, pois todos estiveram ocupados a condenar a lei anti-LGBT+ nas suas publicações no Twitter, referindo que a “lei vai contra tudo o que consideramos os nossos valores europeus comuns” [2]. Tal como o autarca de Munique, só vêem o que Orbán quer que vejam: a provocação ideológica, a guerra cultural e a teoria da conspiração. Ao mesmo tempo, passando despercebido, Orbán faz planos para manter a sua influência no país mesmo que seja derrotado. 

Zsuzsanna Szelényi é uma antiga política húngara e especialista em política externa. Iniciou a sua carreira no Fidesz, que representou no parlamento de 1990 a 1994. Atualmente é bolseira da Fundação Robert Bosch

Tradução de Nelson Filipe

[1] Balász Fürjes, comissário de Estado do Fidesz no Partizán: https://www.youtube.com/watch?v=PKW-0afKLA8
[2] Publicação no Twitter de Michael Roth

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