Portugal, como presidente do Conselho da UE, tem um dever de neutralidade?

A secretária de Estado dos Assuntos Europeus justificou a não-assinatura por parte de Portugal de uma carta a condenar o desrespeito da Hungria pelos direitos das pessoas LGBTQ

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Reuters/KACPER PEMPEL

A Frase

“Assumimos actualmente a presidência [do Conselho da União Europeia] e temos um dever de neutralidade. Nós temos o papel de ‘mediador honesto’ que tem um preço: o preço é o de que não pudemos assinar o documento hoje”

Ana Paula Zacarias, secretária de Estado dos Assuntos Europeus

O contexto

A governante deu esta explicação em conferência de imprensa terça-feira após ter presidido à última reunião do Conselho de Assuntos Gerais da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), que decorreu no Luxemburgo, para justificar o facto de Portugal não ter assinado uma carta enviada por 13 países à Comissão Europeia em que instam o executivo comunitário a “utilizar todos os instrumentos à sua disposição para garantir o pleno respeito do direito europeu”, perante uma lei húngara considerada “discriminatória para as pessoas LGBT”.

O Parlamento húngaro aprovou uma lei a proibir a divulgação a menores de 18 anos de conteúdos que incluam a “representação e promoção de uma identidade de género diferente do sexo à nascença, da mudança de sexo e da homossexualidade”. O diploma foi inserido num pacote de revisões legislativas para a protecção das crianças e das famílias, e o agravamento das penalizações de crimes relacionados com a pedofilia.

Os Factos

Na União Europeia, existem regras escritas e regras não-escritas que se tornam prática. Neste caso, a neutralidade é uma regra não escrita nos tratados. A única referência a esse dever, nas presidências rotativas de seis meses dos Estados-membros, encontra-se na página do Conselho da UE, onde se lê que “a Presidência [da UE] tem de actuar como mediador íntegro e imparcial” de modo a assegurar “o bom desenrolar dos processos legislativos e a cooperação entre os Estados-membros”. Isso é muito importante, por exemplo, quando se estão a negociar os quadros financeiros pluri-anuais.

Mais recentemente, na presidência alemã, imediatamente anterior à portuguesa, isso também se verificou quando na discussão do quadro financeiro, o embaixador alemão chamou a atenção para que não se usasse a expressão “igualdade de género nas políticas europeias”, mas “igualdade entre homens e mulheres”, pois só assim seria possível a concordância da Polónia e evitar um veto, explicou ao PÚBLICO a eurodeputada e ex-secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques.

Mas essa prática, apesar de ser tradição, já teve algumas quebras, que, aliás, foram lembradas esta semana por socialistas, como Margarida Marques, ou o deputado Pedro Delgado Alves. Os dois apontaram o mesmo episódio: em 2000, quando António Guterres presidia ao Conselho Europeu, Portugal conseguiu mobilizar todos os países da UE para proibir que os ministros que pertenciam ao partido de extrema-direita no poder na Áustria participassem nas reuniões.

Ou seja, existe uma regra aceite por todos que, em momentos excepcionais, pode ser quebrada.

Em resumo

Ora, do ponto de vista formal, Portugal foi fiel ao guião habitual ao manter-se neutral - Ana Paula Zacarias utilizou até a mesma terminologia que encontramos na página do Conselho da UE. O outro plano é o do juízo político.

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