Medina insiste que soube do caso Rússia pelos jornais e contesta “teses conspirativas”

Presidente da Câmara de Lisboa foi questionado no Parlamento. Partidos consideram que há muito por explicar e o exemplo de Jorge Coelho foi lembrado. PSD, CDS, Chega e IL defendem que Medina não se devia recandidatar ao cargo.

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Fernando Medina no Parlamento LUSA/MÁRIO CRUZ

Fernando Medina insiste que soube do envio indevido de dados pessoais de manifestantes a embaixadas “pela comunicação social” e contesta as “teses conspirativas e de espionagem” que foram feitas por “políticos com responsabilidade” nos dias seguintes ao caso. No Parlamento, aonde foi chamado pelo PSD, o presidente da Câmara de Lisboa repetiu as explicações que tem dado sobre o assunto, mas toda a oposição diz que ainda há muito por esclarecer e houve quem lembrasse a demissão de Jorge Coelho depois da queda da ponte de Entre-os-Rios.

“Este caso corrói a democracia”, afirmou Telmo Correia, do CDS, acusando Medina de procurar “todas as formas possíveis de afastar-se deste assunto” e de ter posto as culpas nos funcionários da câmara. “O senhor pode dizer aqui que não soube? Se não sabia tinha obrigação de saber. Das duas, uma: ou de facto o sr. presidente não sabia de nada, o que é de uma enorme gravidade, ou então tinha forçosamente de saber e aí entraríamos na questão da responsabilidade política”, declarou o deputado.

Referindo-se a uma resposta que Medina deu na entrevista ao PÚBLICO e à Renascença, esta quinta-feira, de que “demitir-se não resolvia nada”, Telmo Correia lembrou o histórico socialista falecido em Abril: “Não mudava nada, como não mudou nada a demissão do saudoso Jorge Coelho quando caiu a ponte em Entre-os-Rios, mas isso chama-se responsabilidade política.”

Também Carlos Peixoto, do PSD, falaria de Jorge Coelho, recordando ao presidente da câmara que se referiu a ele como “um exemplo” aquando da sua morte. “Onde é que está a sua coerência?”, atirou o social-democrata. “Pela sua mão, o sr. Putin ficou recentemente inteirado de quem se manifestou nas ruas de Lisboa. Só faltou cópia do cartão de cidadão destes manifestantes para ficarem ainda mais à mercê de quem os quiser perseguir”, ironizou.

Na resposta, Medina disse que o gabinete de apoio à presidência, onde as comunicações sobre protestos eram tratadas até agora, “não se trata do gabinete do presidente da câmara”, que é de nomeação política, mas “de um conjunto de trabalhadores do município que dão apoio ao expediente”. E repetiu que a violação da lei sobre dados pessoais se deveu a uma “reprodução acrítica de procedimentos burocráticos”.

“O sr. presidente tem responsabilidade funcional sobre os funcionários que trabalham consigo”, contrapôs Carlos Peixoto, sublinhando que “a lei actual não prevê em lado nenhum a obrigatoriedade de a câmara municipal comunicar dados pessoais a uma embaixada”.

Pelo BE, José Manuel Pureza quis saber se “quando houve protestos laborais à porta de fábricas ou à porta de empresas, os dados dos activistas foram enviados aos patrões” e João Oliveira, do PCP, que classificou algumas intervenções neste caso como parte de “uma campanha anti-Rússia”, também perguntou que outras entidades foram informadas de manifestações.

Fernando Medina respondeu que esse levantamento ainda está por fazer e classificou a apresentação dos resultados da auditoria numa semana como um “grande exercício de abertura e transparência”.

De acordo com o relatório dessa auditoria, o encarregado de protecção de dados, que Medina quer exonerar, só soube em Abril que estes procedimentos estavam a acontecer — e propôs mudanças. Mas o autarca diz que “houve uma falha no mapeamento desses procedimentos”, em 2018, o que justifica a exoneração do responsável. “Na avaliação que faço, que me parece uma evidência, há uma falta de dimensão importante quando uma unidade inteira de apoio ao serviço da presidência não tem os seus processos avaliados em matéria de protecção de dados”, afirmou no Parlamento.

José Magalhães, do PS, disse que “o incidente revela que a lei vigente está desactualizada” e que “o remédio contra a recolha excessiva de dados é a criação de uma plataforma digital que recolha esses dados e só esses”. André Ventura, do Chega, considerou “lamentável” que o socialista se tenha referido ao caso como “um incidente” e disse que “em qualquer país da União Europeia, o presidente da autarquia da capital não se recandidataria.”

“Estivesse eu nos seus sapatos, saberia muito bem o que faria”, afirmou João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, que acusou Medina de ter dado “explicações pouco convincentes, contraditórias e atabalhoadas”.

Mais tarde, Isabel Meirelles, do PSD, diria que “na última década, Lisboa foi a capital europeia da bufaria” e acusou mesmo Medina de ser “um autarca que está a atirar seres humanos para o patíbulo”. O presidente chamou “indigna” à intervenção da social-democrata.

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