Dupond-D e Dupont-T

Com o Estado capturado por nepotismos, promiscuidades e amiguismos, arriscamo-nos a resvalar para um mero simulacro de um Estado de Direito. Aposto que António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa se vão “divertindo”, cada um à sua maneira.

Sem surpresa, António Costa voltou a ganhar folgadamente a disputa interna para secretário-geral do Partido Socialista, com uma maioria “albanesa”. Ao contrário do que muitos pensam, António Costa não é apenas esperto – que também o é – mas muito inteligente. Uma inteligência fria, destinada sobretudo à sua própria sobrevivência política e à dos seus mais próximos.

Só lamento que não dirija as suas reais qualidades para um verdadeiro programa para o país e nem acredito – do pouco que sabemos – que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) venha a ser útil para um País inovador e sustentável, mas tão somente para a sobrevivência de um Governo à deriva e atingido por clivagens internas, onde quase todos os dias se sucedem casos que deviam ter e não têm consequências políticas.

António Costa tem ignorado olimpicamente o que se passa na classe infantil do Governo, que guerreia já a sua sucessão. Mas a sucessão de Costa será aberta quando e como ele quiser, a menos que algo imprevisível, muito imprevisível, venha a suceder.

Quanto ao PM basta que, nós, pequenos cidadãos, nos mantenhamos anestesiados (e algumas estações televisivas têm para isto contribuído eficazmente) e que vá efetuando algumas cedências pontuais – nunca estruturais - aos seus parceiros parlamentares. A sua monumental máquina mediática serve-lhe de uma espada digna de Excalibur, das lendas Arturianas, mesmo que o país vá fenecendo na cauda da União Europeia.

Rápido, não hesitou em aproveitar duas frases menos felizes do Presidente da República, a de que o próprio, em pleno período de pandemia, não voltaria a decretar o estado de emergência (todos nos lembramos dos “jamais” dos políticos!) e depois, na Hungria, que deveríamos estar focados no futebol, neste período do Campeonato da Europa.

Claro que António Costa disse o óbvio: ninguém poderia prestar tal garantia como irreversível. Obviamente que os portugueses, por muito fartos que estejam, reviram-se mais nas afirmações do chefe do Governo do que nas do Presidente, que tanto “amam” e que tanto gosta de ser amado. Quanto ao focarmo-nos no futebol, muitos têm outras preocupações, bem mais graves, diariamente, senhor Presidente.

Como é evidente, o Presidente respondeu subliminarmente que é ele que nomeia o primeiro-ministro. Ora isso todos sabemos, mesmo que a afirmação fosse sibilina e mesmo que, não raro, o Presidente se intrometa na ação governativa, em clara violação da separação de poderes. Mas tal não desagrada mesmo a António Costa, pois serve-lhe de amparo.

E no meio de toda esta confusão até o Parlamento entra constantemente no perímetro de competências do Governo (como nos tempos da Convenção, durante certa fase da Revolução Francesa) como se fora o mais natural no nosso regime constitucional. Mas não o é. Supostamente o Governo governaria, o Parlamento legislaria e o Presidente velaria pelo regular funcionamento das instituições. Agora todos parecem fazer tudo sem o menor pudor.

António Costa também não tem oposição. Custa ver a dignidade do maior partido da oposição rastejando a suplicar acordos que o primeiro-ministro ignora olimpicamente.

Com o Estado capturado por nepotismos, promiscuidades, amiguismos e a Justiça a apontar cada vez mais políticos ou candidatos a tal, arriscamo-nos a resvalar para um mero simulacro de um Estado de Direito. Aposto que António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa se vão “divertindo”, cada um à sua maneira.

Os néscios somos nós.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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