Pela ciência se vê rebentar a bolha

A forma como o Governo está a contar tostões com os trabalhadores da ciência deve preocupar toda a sociedade. Apesar do esforço em esconder o jogo, não tarda rebentará a bolha.

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Os investigadores com bolsa, vulgo bolseiros de investigação científica, auferem um “subsídio de manutenção mensal” não sujeito aos descontos para a Segurança Social e IRS como os restantes trabalhadores. Fazem parte de um universo alternativo de trabalhadores, excluídos da Segurança Social. Podem solicitar a inscrição no “seguro social voluntário” que lhes permite descontar para a Segurança Social sobre um valor mínimo, que é de 438,81 euros. Esta situação faz com que, ao se verem incapacitados para o trabalho em razão de doença, só tenham acesso a um subsídio por doença, ao 31.º dia, que ronda os 240 euros. 

Como também é hoje sabido, os investigadores com bolsa não recebem subsídio de férias ou de Natal. Quando um investigador com bolsa fica desempregado, não tem acesso ao subsídio de desemprego. 

Há milhares de investigadores no país que acumulam já vários anos de bolsas, sem contribuir devidamente para a Segurança Social, alguns dos quais com mais de 40 anos, e que, em pouco mais de duas décadas, terão de se reformar. Quando isso acontecer, se nada mudar, entretanto, estas pessoas terão pensões a rondar os 450 euros mensais

As consequências das respostas à pandemia na investigação 

No nosso país, à semelhança do que ocorreu noutros, a resposta à pandemia passou pelo encerramento de serviços públicos, escolas, universidades, arquivos, museus, bibliotecas. Os investigadores de diferentes áreas científicas viram-se confrontados com a impossibilidade de manutenção de experiências laboratoriais, a impossibilidade de se deslocarem ao estrangeiro como previsto nos seus planos de trabalho, a necessidade de adiar trabalho de campo, entrevistas, e todo o contacto com participantes nas investigações.  

Muitos investigadores alteraram abnegadamente as suas rotinas e participaram activamente na transformação dos laboratórios e centros de investigação em recursos para a resposta à pandemia. Esta transformação, é importante salientar, foi em grande medida resultado de uma vontade maior em contribuir para a resolução dos problemas que o país enfrentou e não de uma qualquer convocatória oficial do Governo. 

Muitos investigadores, também pais e mães, não puderam trabalhar em virtude do encerramento de creches e escolas ou do acompanhamento necessário a outros familiares dependentes. 

A resposta do Governo 

Face a esta situação, modestamente caracterizada, o Governo decidiu em 2020 prorrogar em dois meses apenas as bolsas directamente financiadas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Ficaram de fora milhares de trabalhadores bolseiros. Neste ano de 2021, e ainda sem ter analisado ou criado qualquer excepção para casos mais graves, o Governo decidiu prorrogar novamente as bolsas em dois meses, mas apenas as directamente financiadas pela FCT que terminassem no primeiro trimestre do ano. Cerca de 40% dos bolseiros terão ficado de fora da medida. 

O senhor ministro Manuel Heitor procurou ao longo destes primeiros seis meses de 2021 iludir os bolseiros, fazendo  promessas num dia e dando o dito pelo não dito no outro, como de resto ficou claro no programa Essencial (SIC) do passado dia 16 de Junho. 

Ao dia de hoje, temos em cima da mesa um novo regulamento para atribuição de bolsas excepcionais, que  se antevê desnecessariamente burocrático e que - podemos antecipar - não se traduzirá numa resposta consequente às dificuldades com que os bolseiros de deparam desde o início da pandemia.  

Rebenta a bolha 

As acções do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior não são da responsabilidade apenas do senhor ministro Manuel Heitor, mas de todo o Governo. A forma como o Governo está a contar tostões com os trabalhadores da ciência deve preocupar toda a sociedade. Apesar do esforço em esconder o jogo, não tarda rebentará a bolha. 

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