O vírus é ignorante?

Não seria mais prudente alterar a estrutura de exames e, em vez de colocar itens selectivos de avaliação, adaptar os conteúdos do programa para avaliar competências gerais? Porque não rever a percentagem que a nota de exame tem na média interna?

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Daniel Rocha

Com o aproximar da época de exames (apenas no ensino secundário), a discussão reanima, após as novas orientações do Ministério da Educação. De acordo com as referidas directrizes, decidiu-se cancelar todas as provas de aferição e exames nacionais do terceiro ciclo. Mantêm-se os exames do secundário, sendo apenas obrigatórios os que os alunos considerarem como prova de ingresso. A justificação ministerial baseia-se no dever de “manter a justiça e a equidade” na actual conjuntura. Na realidade, existem muitas dúvidas sobre a forma como foram “estudados” alguns aspectos relacionados com a área da educação. É inegável o facto de que a pandemia denunciou e agravou as suas fragilidades.

No caso concreto das provas de aferição, nunca foi claro o seu verdadeiro propósito. O seu cancelamento criou pouca contestação. Mas é irrefutável a evidência de que o primeiro e segundo ciclos serão os níveis de ensino que sofrerão o maior impacto negativo com o confinamento (descontínuo) dos últimos dois anos. As aprendizagens elementares são fundamentais para um percurso escolar saudável. Reflicto por momentos e questiono: delinearam-se planos de reforço condizentes com as necessidades? Parece-me que não. Estenderam as actividades lectivas até 8 de Julho, sem pensar num planeamento efectivo que permitisse a consolidação de conhecimentos mais “exigentes”.

Por sua vez, o terceiro ciclo, particularmente o nono ano, também viu cancelados os exames de matemática e português, sem alteração na data de término das actividades lectivas (“férias antecipadas?”). Não se compreende. Num ano em que decidem a área de formação a seguir (muitos deles sem saber o que escolher), estes alunos perdem a oportunidade de avaliar o seu progresso, autonomia e método de estudo, ferramentas importantes, para que as suas aprendizagens sejam consistentes, no ensino secundário. Surge a questão: a tutela, juntamente com as escolas, elaborou planos de recuperação de conteúdos essenciais a continuidade dos estudos? Não. Deveria ter pensado em reajustar o calendário escolar e implementar avaliações formativas de conteúdos-chave. Seria a recuperação antecipada desejada.

Situação similar acontece no ensino secundário, ressalvando uma parte dos alunos que necessitam de fazer, pelo menos, um exame (poucos farão melhorias, tendo em conta as notas do ano transacto). No entanto, outros não realizarão qualquer exame. Para além disso, os exames de matemática e português deixam de ser imprescindíveis para a conclusão e certificação do ensino secundário. Não consigo conceber que haja alguma lógica nesta medida. Não seria mais prudente alterar a estrutura de exames e, em vez de colocar itens selectivos de avaliação, adaptar os conteúdos do programa para avaliar competências gerais? Porque não rever a percentagem que a nota de exame tem na média interna? De facto, esta estratégia enfraquece todo o sistema educativo, há muito deficitário e a necessitar de mudanças urgentes.

A época de alguns exames aproxima-se e não será possível fazer alterações. Espera-se que toda a sociedade faça uma reflexão séria e pautada pelo bom senso. A proactividade deve ser exigida àqueles que assumem cargos governativos e que tomam estas decisões. No entanto, não podemos ser indiferentes e devemos contribuir para que se encontrem orientações conciliadoras e concretas, de forma a proporcionar o desenvolvimento pessoal e profissional da geração futura. Afinal, serão eles a assegurar o progresso do país.

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