Desinformação

Desde o início que nos habituámos à Internet como um grande espaço aberto de liberdade, de acesso mais rápido a informação relevante, de comunicação onde ela não era possível. É assim que desejamos que continue, livre de qualquer censura, mas também livre de quem a usa como arma anti-democrática, agressiva e anti-social.

O apoio do Papa Francisco a Donald Trump foi apenas uma das notícias falsas espalhadas pelo ex-Presidente, num processo que culminou com o ataque ao Capitólio, e com as inúmeras teorias da conspiração. No “Brexit”, foram os empolados números da imigração e com a pandemia foi difícil proteger uma mensagem clara de saúde pública. Estes são os casos mediáticos, mas há muitos outros de notícias falsas com impactos negativos nas pessoas.

Sabemos que a desinformação não começou com as redes sociais. Porém, as redes sociais permitiram que as notícias deixassem de passar por qualquer filtro (o do diretor de informação que manda verificar melhor as fontes), a sua publicação ser gratuita e através de identidades falsas, espalharem-se a uma velocidade viral nunca antes imaginada e, consequentemente, tornar-se quase impossível a reversão de uma notícia falsa.

A desinformação, que se baseava em casos esporádicos e localizados, tornou-se assim um fenómeno, na maioria das vezes, intencional. Não acontece por acaso, há alguém que espalha mentiras e falsidades ou que tenta enganar pessoas com base em factos distorcidos ou fora de contexto, e é normalmente lucrativa para quem a produz, tanto política como economicamente.

É neste contexto e perante factos graves, tanto para as democracias, como para a honra das pessoas e a sociedade em geral, que se sucedem as tentativas para combater a desinformação.

A educação digital e a ética são instrumentos em que pensamos de imediato, mas sabemos que são de longo prazo e podem não bastar. Por isso, em 2018, numa tentativa de autorregulação, a Comissão Europeia lançou o código de conduta sobre desinformação, incluindo um manual das boas práticas, que teve como signatários as grandes plataformas de redes sociais e informação. Apesar de alguns avanços, este código não teve ainda os efeitos desejados e uma nova proposta de código reforçada virá em outubro de 2021 com medidas mais concretas e objetivos mensuráveis.

Em simultâneo, no Parlamento Europeu estamos a trabalhar no regulamento dos serviços digitais com várias medidas para agilizar a remoção de conteúdos ilegais, reforçando e agilizando os direitos dos utilizadores, tornar transparente a publicidade nas redes, exigir que as plataformas realizem auditorias e as tornem públicas, criar os chamados “trusted flaggers”, entidades com competências privilegiadas para reportar conteúdos ilegais, entre outras disposições.

A Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia também deu atenção ao problema na Declaração de Lisboa para os direitos na era digital, e o mesmo aconteceu com a Assembleia da República na aprovação da Carta Portuguesa para esses direitos.

Apesar de todo este esforço em várias frentes, sabemos que é difícil encontrar o equilíbrio entre liberdade e responsabilidade, sobretudo quando se trata de conteúdo perigoso, mas não ilegal, bem como ser eficaz num mundo digital que é global e sem fronteiras. Desde o início que nos habituámos à Internet como um grande espaço aberto de liberdade, de acesso mais rápido a informação relevante, de comunicação onde ela não era possível (longe vão as boas memórias da Primavera Árabe). É assim que desejamos que continue, livre de qualquer censura, mas também livre de quem a usa como arma anti-democrática, agressiva e anti-social.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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