Indústria boicota lei europeia sobre perigosidade dos polímeros, acusam ambientalistas

Só 6% dos polímeros deverão ser investigados, acusa a rede ambientalista Gabinete Europeu do Ambiente.

Foto
Paulo Pimenta

A União Europeia quer começar no próximo ano a testar a perigosidade dos polímeros, mas a indústria está a boicotar a iniciativa e só 6% dos polímeros deverão ser investigados, acusa a rede ambientalista europeia EEB.

Num comunicado hoje divulgado o Gabinete Europeu do Ambiente (EEB na sigla original), a maior rede de organizações ambientais da Europa, garante que a iniciativa da União Europeia para investigar as ameaças para o ambiente e para a saúde pública causadas pelos polímeros está afinal a ser “minada” pelo lóbi da indústria.

Os polímeros são o principal ingrediente de produtos como o plástico, resinas ou tintas e a poluição generalizada que causam afecta as placentas humanas e os cérebros, fígado e rins dos animais, alerta o EEB, que diz, citando peritos da Comissão Europeia, que cerca de metade de todos os polímeros podem ser perigosos para a saúde humana e para o ambiente.

Quando a União Europeia está a preparar as primeiras regras para investigar e regular os impactos na saúde da poluição por polímeros, dizem os ambientalistas que é a indústria química quem mais está a influenciar as decisões, e fazer com que 94% dos polímeros escapem à regulamentação.

A lacuna na compreensão dos riscos dos polímeros foi referida pela Comissão Europeia em Outubro de 2020, quando anunciou testes de risco químico obrigatórios sobre os polímeros a partir de 2022, um primeiro passo para proibir a sua comercialização.

Até agora, dizem os ambientalistas, a indústria tem evitado a regulamentação, alegando que os polímeros são moléculas demasiado grandes para atravessar membranas humanas, embora já tenham sido encontrados em placentas.

E agora que a Comissão Europeia apresentou um projecto de lei sobre a matéria, as questões das organizações não-governamentais ligadas ao ambiente não são relevadas, ao contrário “das exigências da indústria”, segundo a avaliação do EEB.

“Apenas 12.000 (6%) de um total estimado de 200 mil polímeros no mercado terão de efectuar controlos de segurança, prevêem os peritos da Comissão. E a proposta de lei não exige que a indústria forneça sequer informações básicas sobre a identidade ou quantidade de polímeros. Todos os polímeros produzidos em massa que estão a acumular-se no ambiente, tais como poliestireno, poliéster, polietileno e polipropileno, escaparão à supervisão, apesar dos seus riscos. Isto levou um grupo de 30 cientistas a avisar a Comissão Europeia de que todos os polímeros deveriam ser regulamentados”, diz o EEB no comunicado.

O EEB nota que os polímeros são substâncias químicas, e lembra que a lei europeia exige que a indústria prove que os produtos químicos são seguros antes de poderem ser vendidos. E acrescenta que tal é “largamente negligenciado por uma indústria química que vale 542 mil milhões de euros por ano e que é detida por alguns dos homens mais ricos e poderosos da Europa”.

A Comissão Europeia tem feito encontros com representantes dos Estados membros, da indústria e das organizações não-governamentais para adaptar a proposta, mas as conversações são dominadas por 10 grandes grupos industriais, acusa o EEB, uma das poucas organizações não-governamentais que está presente nas reuniões.

A próxima reunião está agendada para terça-feira.

Estudos indicam que os polímeros podem provocar inflamações ou toxicidade celular. Os impactos na saúde dos microplásticos e das fibras foram já largamente estudados e indicam, refere o comunicado, que aumentam o risco de neoplasias, que prejudicam a saúde respiratória e que perturbam o sistema imunitário e o sistema nervoso.

Dolores Romano, do EEB, diz, citada no comunicado, que a poluição por polímeros está “fora de controlo”.

“Estamos diariamente expostos a ela, pois são utilizados em plástico, têxteis, produtos de limpeza e até cosméticos. Costumávamos pensar na poluição do plástico como uma massa de lixo volumosa no ambiente. Agora sabemos que se desfaz numa vasta nuvem de micro e nanoplásticos contaminando a terra, a água e o ar, assim como aparecendo no nosso corpo”, alerta a especialista, adiantando que já que se sabe que muitos polímeros são tóxicos, a segurança dos restantes deve ser verificada e não se deve perder a oportunidade e deixar que a indústria química a impeça.

A versão final do documento deve ser conhecida no final do ano.

Os polímeros são grandes moléculas e existem também naturalmente no corpo humano. Os polímeros químicos vão do polietileno dos sacos de plástico, ao policarbonato dos discos CD, ao “teflon” das frigideiras, ao poliéster do vestuário ou ao “kevlar” dos coletes à prova de bala.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários