Distúrbio de ansiedade altamente funcional

A verdade é que sofro de ansiedade. Não sei se nasceu comigo mas sei que esteve, e está, sempre presente.

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Aparentemente, e aos olhos dos outros, somos o arquétipo do sucesso. Naturalmente competitivos, vivemos sob o signo da impaciência, somos exigentes e nem por isso tolerantes e a fasquia está sempre muitos metros acima do comum dos mortais. Autoconfiança e ambição são os verbos e cada vitória existe apenas para dar lugar à conquista seguinte num ciclo sem fim e numa corrida sem fim onde o céu nunca será suficiente por si só. 

Porque, e falando com franqueza, para quem nos veja do exterior não nos basta o céu, o universo talvez e quando lá chegarmos logo se vê. Obcecados com o trabalho, vivemos para trabalhar ao invés de trabalhar para viver e os objectivos são alvos a abater. A agressividade é intrínseca e quota parte do ser, os outros são o inimigo e a vida é um jogo onde só um chega ao fim, só um é o vencedor e como perder está fora de questão estamos sempre com pressa, os primeiros a terminar, os primeiros a cumprir e se calhar um dia destes acordamos mortos de tanta pressa, mas de pouco importa, ao menos conseguimos, ao menos conseguimos vencer, ao menos conseguimos ganhar, ou assim dizemos de nós para nós mesmos, talvez para nos enganarmos, quem sabe, e eu ainda aqui estou a querer enganar-me.

A querer enganar-vos. Porque nunca foi nada assim. Porque quando chego ao trabalho e ainda não são 6h estou numa pilha de nervos. Porque não dormi. Porque passei a noite a suar e se não dormi foi de propósito. Porque não sei, nem é suposto saber, o que o dia me reserva e talvez se chegar ao dia antes do dia talvez consiga planear cada hora, minuto e segundo de modo a que tudo corra como devido e prometido.

A verdade é que sofro de ansiedade. Não sei se nasceu comigo mas sei que esteve, e está, sempre presente. Na literatura clínica de saúde mental sofro de distúrbio de ansiedade altamente funcional. E se só agora tomo consciência deste problema, a verdade é que por mais que procure não consigo encontrar referências à ansiedade altamente funcional no contexto português.

Porque uma coisa é ser-se bem sucedido. Outra é sofrer de ansiedade. E assim se explica o facto de não só nunca ter tido ajuda mas também nunca ter tido com quem falar. Sofrer em silêncio antes dos exames sabidos de cor à custa da memória fotográfica e horas e horas e horas de estudo sem fim foi sempre a norma. Daqui para tudo o resto numa existência em que quem nos rodeia se habitou a ver-nos ser o melhor da turma, o curso tirado e uma vida lá fora a resolver os problemas deste mundo e o outro sem pedir ajuda a quem quer que seja faz de nós cartas descartáveis no baralho dos dias. 

Entretanto passam mais de 40 anos sem que ninguém repare, sem que ninguém queira saber. Sem que ninguém queira saber deste medo constante de falhar. Altamente funcional ou não, este medo constante de falhar que não se vai embora. Falhar diante de ti, dos outros, dos amigos, dos meus e teus pais, diante dos vizinhos e conhecidos, no trabalho, de manhã à noite, 365 dias por ano o medo constante de falhar.

Felizmente a vida não tem de ser assim e a ansiedade, esta ansiedade, tem tratamento não só através da terapia comportamental mas também pela contextualização diária da mesma. 

A contextualização? Sim, veio com a idade, com o tempo e o cansaço inerente de tantos anos a correr quando de repente olhamos à volta e percebemos que não é por chegar cinco minutos atrasados que o mundo pára. Naquele dia, e para quem me esperava, de facto o mundo parou. Mas depois, e aos poucos, tomamos consciência que o emprego não foge, o trabalho não foge, os fins-de-semana são mesmo para descansar, o telefone também se desliga à noite e a noite foi feita para se dormir.

Ainda assim, as horas sem fim a olhar as peças no tabuleiro enquanto antecipo todas as jogadas possíveis. Ainda assim, o domingo à noite sem dormir e a suar. Ainda assim, à segunda de manhã numa pilha de nervos ao chegar à escola.

Mas agora já sei qual é o meu problema e o meu problema tem um nome. O próximo passo? Deixar de me preocupar com o que os outros pensam e pedir ajuda.

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