Fotografia
(Un)Vaxxed: o retrato da “batalha” pró e antivacinação, em Itália
Ser pró ou antivacinação é a questão que está no cerne do projecto (Un)Vaxxed: A Photographic Survey, do italiano Francesco Andreoli. "O objectivo é trazer a lume histórias de ambos os lados e deixar ao critério do espectador o que pensar sobre o tema.”
Andrea Lanfri, de 34 anos, contraiu uma forma rara de meningite, em 2015, e consequentemente perdeu ambas as pernas e sete dedos das mãos. Segundo os médicos que o trataram, se durante a infância Andrea tivesse tomado a vacina meningocócica que era disponibilizada gratuitamente pelo Sistema Nacional de Saúde italiano, os danos causados pela doença teriam sido muito menores.
Sara tem 25 anos e nunca tomou uma vacina na sua vida. Ou mesmo qualquer medicamento produzido em laboratório. A sua família recorre exclusivamente à homeopatia, herbalismo e medicina ayurveda para lidar com problemas de saúde. Sara acredita que “a medicina contemporânea tem por base o uso de vacinas que enfraquecem o sistema imunitário de forma a tornar as pessoas dependentes, de forma vitalícia, das empresas farmacêuticas”.
As experiências e perspectivas de Andrea e Sara são bastante diferentes, mas têm algo em comum: ambas integram o projecto (Un)Vaxxed: A Photographic Survey, do fotógrafo italiano Francesco Andreoli, que se foca no impacto das políticas de vacinação na opinião pública. “Esta investigação fotográfica não tem como objectivo demonizar ou glorificar quem é pró ou antivacinação”, alerta o fotógrafo, em entrevista ao P3. “O objectivo é trazer a lume histórias de ambos os lados e deixar ao critério do espectador o que pensar sobre o tema.”
Francesco deixa claro que a questão está longe de ser binária, que ter uma perspectiva maniqueísta sobre ela não lhe faz justiça. “Não existe uma divisão clara entre facções pró ou antivacinação, mas sim muitos graus de cinzento entre dois extremos.” Porquê? Porque há quem seja pró-vacinação e não acredite que essa deva ser obrigatória, porque há quem seja antivacinação e não tente converter terceiros, porque há quem seja um ferrenho activista “anti-vax”, enquanto outros alteram o curso da sua vida em prol de tornar a vacinação obrigatória numa região ou país. Há também pessoas cuja opinião varia consoante o tipo de vacina em discussão.
O projecto teve início em Dezembro de 2019, ainda antes da pandemia de covid-19. “A minha mãe é enfermeira e trabalha no departamento de vacinação de adultos do hospital de Ramazzini, em Carpi”, explica Francesco. “Em casa, ela referia muitas vezes que as pessoas tinham medo de vacinar-se.” Não tinham medo da agulha, tinham medo da vacina, propriamente, explica. “Sempre me inquietou como é possível que, ainda hoje, algumas pessoas continuem a opor-se à vacinação, colocando em risco a sua saúde.” Embora Francesco tenha a sua opinião pessoal relativamente ao tema, manter uma postura de objectividade durante a sua “investigação fotográfica” foi uma prioridade – e, garante, também um desafio.
Ao longo do projecto, que se mantém em desenvolvimento, Francesco contactou com investigadores, cientistas, empresas farmacêuticas, desportistas, famílias, crianças, realizadores de cinema, advogados, militares de várias regiões de Itália. “De muitas idades e de vários contextos socioeconómicos, porque as vacinas afectam a saúde de todos.” A Organização Mundial de Saúde recomenda a toma de vacinas, referindo, no site oficial, que elas "não só protegem as pessoas que as recebem, mas também as pessoas da comunidade que não podem ser vacinadas". O conselho é: "Quem puder, deve ser vacinado."
De todas as histórias que encontrou, Francesco destaca a de Alice, que é uma cidadã comum e, em simultâneo, uma figura-chave quando se discute vacinação em Itália. “A filha de Alice contraiu tosse convulsa quando tinha apenas 40 dias de vida”, narra o fotógrafo. “Ficou no hospital em tratamento durante meses.” Anja, que tem hoje quatro anos, contraiu a doença no infantário frequentado pelo irmão numa das vezes em que a mãe a levou consigo enquanto recolhia o filho. “O episódio foi grave e ela decidiu lançar uma petição online a exigir a reintrodução da vacinação obrigatória nas escolas.” No primeiro dia, a petição reuniu 20 mil assinaturas. “A pressão da petição levou à criação de uma lei regional nesse sentido e, em 2017, à sua extensão ao território nacional.” Nascia, assim, o decreto de Lorenzin – que deixou algumas pessoas descontentes em Itália. “Desde que a lei foi introduzida, a Alice recebe ameaças de morte e de agressão com regularidade.” A mãe de Anja confessou ao fotógrafo que hoje se arrepende de ter lançado a petição por temer pela sua vida e pela dos seus filhos.
No dia 20 de Junho de 2020, o primeiro dia de desconfinamento em Florença, Francesco esteve presente numa manifestação intitulada “Vamos Salvar a Constituição”. Não existe consenso relativamente à quantidade de pessoas que participaram – a polícia afirma que foram cerca de cinco mil, a organização aponta para as 12 mil – mas as intervenções versavam sobre a liberdade de escolha dos cidadãos em matéria de vacinação, sobre os riscos das antenas 5G, sobre a preferência por escolas sem máscaras de protecção. "E pela abolição da ditadura sanitária”, remata. Entre os manifestantes, Francesco conheceu pessoas que acreditam que Bill Gates é o novo anti-Cristo e que o seu plano de controlo global passa por vacinar pessoas de forma a “reprogramar o seu sistema imunitário” para, assim, poder impor uma ditadura mundial.
Embora provavelmente todos os presentes tivessem uma opinião antivacinação, Francesco considera que “é importante que se perceba que nem todas as pessoas antivacinas estão envolvidas nestes movimentos”. “Nem todas acreditam nas teorias conspirativas do QAnon ou noutras que circulam nas redes.” E dá um exemplo. Sara, a jovem de 25 anos que nunca foi vacinada, é amiga do fotógrafo e este garante que, embora ela tenha uma postura antivacinação, não tenta impingir essa ideia a terceiros, não está envolvida em partidos ou movimentos políticos antivacinação, não expressa a sua opinião publicamente excepto quando essa é expressamente solicitada. "Ela não esconde, mas não impõe a sua opinião nem tenta converter as pessoas."
Há outros exemplos, em (Un)Vaxxed, que deixam mais claro o que poderá estar na base de algumas crenças anti-vacinação. Andrea Rinaldelli, de 65 anos, perdeu o filho há oito, após este ter entrado para o Exército. O jovem morreu vítima de um linfoma, porém o pai acredita que a toma de reforços de todas as vacinas no início da sua recruta terá contribuído para a sua morte. Assim como o facto de ter sido destacado para um local de alta toxicidade. Desde que o filho faleceu, Rinaldelli é firmemente antivacinas.
“Um preconceito muito comum é que ser pró ou antivacinação tem a ver com o grau de escolaridade das pessoas”, refere o fotógrafo italiano. “Mas há muitas pessoas que são antivacinas que têm graus de escolaridade elevados.” Porém, ser altamente escolarizado não equivale a ter o domínio científico de temas de elevada especialização, como é o caso de assuntos relacionados com a área da Medicina. Na opinião do fotógrafo, na origem da postura “anti-vax” está o medo, o percurso pessoal de cada um e o seu conjunto de valores. “Há quem procure algo ou alguém para culpar ou acredite que existe algo por detrás de tudo o que acontece.” As teorias conspirativas que se difundem nas redes e que são capitalizadas por agentes específicos, que apelam à polarização, têm um papel importante. Há, por isso, entre os retratados do projecto realizadores de cinema que lançaram filmes que alertam para o “silenciamento da comunidade que se opõe às vacinas”, escritores que lançam livros dirigidos a essa franja da população ou partidos políticos que se alimentam dessa fractura para angariar simpatizantes.
Francesco acredita que dar a conhecer as histórias de todas estas pessoas e organizações pode ajudar a compreender o fenómeno. Não quis abordar a questão das vacinas para a covid-19 por estar, ainda, a tratar esse tema. “Foi uma coincidência o projecto estar em desenvolvimento neste período – o que o torna pertinente mas, ao mesmo tempo, controverso. Porém, este (Un)Vaxxed é sobre vacinação, em geral, e não sobre as vacinas para a covid-19.” O fotógrafo de 24 anos pretende, no futuro, alargar o âmbito do trabalho a outros países europeus.