Na educação tropeçamos em pedregulhos

A literacia muda efectivamente a maneira de pensar de qualquer pessoa. As estratégias que irão ser implementadas para que a leitura e a sua consolidação aconteça irão passar pelo digital, certamente. Que sejam apenas estratégias motivacionais.

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Nuno Ferreira Santos

Na educação, o que foi, afinal, muito afectado com a pandemia? Às vezes é preciso tropeçarmos no pedregulho para sabermos que ele sempre lá esteve.

Com a pandemia e os vários confinamentos, a manta de recursos que foi tapando e destapando o ecossistema educativo, deixou claramente à mostra as fragilidades que já sabíamos existirem e que agora são evidências impossíveis de ignorar.

Uma tem a ver com a competência leitora, ou seja, com a técnica de leitura, velocidade, entoação e interpretação. Ler não é só juntar as letras, é ter a capacidade de interpretar aquilo que outros pensaram e escreveram e ainda de, em jeito de resposta, conceber, pensar, produzir conhecimento e disponibilizá-lo aos outros.

Há muito que esta evidência se fazia sentir, até porque muitos adultos que neste momento têm a função de ensinar, sejam eles profissionais da educação ou pais, também não sabem ler e muito menos escrever. E para tal não é preciso um grande estudo, basta ver as redes sociais, desde o Facebook ao LinkedIn, e alguns e-mails que vamos recebendo.

Talvez ajudasse existir um programa de reciclagem para docentes no ensino do Português no início da aprendizagem formal, e não era didáctica, era currículo mesmo. Também não é dissociável da leitura a competência do falar. Escrevemos como falamos, entendemos e processamos informação conforme o contexto enquadrado pelo mundo que nos é dado pelas aprendizagens que fazemos. Cada vez se lê menos. Como pôr os adultos a ler?

Os pais querem que as crianças leiam, mas não conseguem puxá-los para a leitura pelo exemplo que dão. O que dar às crianças para ler? Quando não se lê, não se conhece o que é mais adequado para as crianças em cada fase.

Ainda bem que a escola vai cumprindo a função de orientar a leitura a par do Plano Nacional de Leitura. A grande verdade é que a leitura e as outras competências inerentes a esta competência são essenciais para o desenvolvimento. São a porta de entrada para a mudança daquilo que se quer na vida e para a vida daqueles que dependem de nós. Durante todos estes anos de rankings, assistimos a colégios bem classificados no ensino secundário que apresentam, quase sempre, uma baixa prestação no 1.º ciclo do ensino básico. O que não se treina para fazer exames e que difícil é o início das aprendizagens! Para não falar na peneira ao longo dos ciclos até ao secundário.

A literacia muda efectivamente a maneira de pensar de qualquer pessoa. As estratégias que irão ser implementadas para que a leitura e a sua consolidação aconteça irão passar pelo digital, certamente. Que sejam apenas estratégias motivacionais. Tal como se percebeu rapidamente com o ensino à distância não há, para já, nada que substitua a escola em modo presencial, também não há computador que substitua o prazer de ler um livro, folha a folha.

Outra chamada que o Ministério da Educação e o nosso Governo trazem com o pós-pandemia é o maior envolvimento das famílias. O regresso da abertura à qualificação dos adultos, como parte de um plano de intenções, é de aplaudir. É fácil perceber que pais com maior instrução e educação propiciarão um melhor ambiente e contexto de estudo. Falta perceber como se vai operacionalizar na prática, articulando as questões sociais e laborais. Os programas de qualificação de adultos, levados à séria, com empenho e dedicação são transformadores não só da própria pessoa, mas de toda a família. E isso terá um grande impacto na vida dessa família, na escola dos seus filhos e no seu trabalho.

Ter como objectivo a leitura, escrita e fala, as aprendizagens básicas e essenciais, de qualidade, é investir na sustentabilidade da nossa língua, da nossa cultura. Resta saber o que significa qualidade.

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