Kim Jong-un reconhece crise alimentar “preocupante” na Coreia do Norte

Há relatos de famílias a passar fome devido à escassez de alimentos e de aumentos nos preços de bens essenciais. Isolamento do regime impede a entrada de importações e de ajuda internacional.

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Kim Jong-un na abertura de uma sessão plenária do Comité Central do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte KCNA/EPA

O líder da Coreia do Norte anunciou como “principal prioridade” o combate da crise alimentar “preocupante” provocada pela pandemia de coronavírus, por sanções internacionais e desastres naturais, avançaram os media estatais esta quarta-feira. No dia anterior, Kim Jong-un dirigiu uma sessão plenária do Comité Central do Partido dos Trabalhadores para avaliar o estado do país e o progresso alcançado pelas políticas centrais, de acordo com a agência KCNA. 

Apesar de anunciar que o país registou um crescimento económico, o líder coreano estabeleceu como “principal prioridade” a necessidade de combater a escassez de bens alimentares que ameaça a população, num cenário de agravamento da crise económica que o país atravessa há décadas. No início do ano, o Kim Jong-un admitiu que o programa económico estava a falhar.

Com a chegada da pandemia no ano passado, Kim Jong-un rejeitou quaisquer ajudas internacionais e isolou-se mais, receando que o vírus pudesse atravessar a fronteira. As trocas comerciais com a China, parceiro tradicional, também caíram a pique. E não parece haver sinais de abertura.

“A situação alimentar da população é preocupante, porque o sector agrícola não conseguiu alcançar os objectivos da produção de cereais” após terem sofrido danos devido a desastres naturais que atingiram o país no ano passado, disse Kim Jong-un, citado pela agência.

“É fundamental que tanto o partido como o Estado se foquem na agricultura”, continuou. O líder apontou os desastres naturais como a principal causa e apelou à implementação de medidas para reduzir o impacto das catástrofes. Kim Jong-un disse ainda que o Partido dos Trabalhadores da Coreia terá de intervir para combater os efeitos da pandemia, através da distribuição de comida, vestuário e habitação.

O líder norte-coreano já admitiu em várias ocasiões a crise económica do país, mas reconhecer publicamente e de forma tão clara a escassez de bens alimentares a nível nacional é uma atitude pouco habitual de Kim Jong-un. Em Abril fez um anúncio semelhante, comparando a situação do país com a fome terrível dos anos 1990, que provocou, estima-se, entre centenas de milhares mortos e dois a três milhões.

Crise alimentar

Segundo Jiro Ishimaru, editor chefe da Asia Press Internacional, um site japonês que monitoriza a Coreia do Norte, há escassez de bens essenciais, incluindo medicamentos, e produtos agrícolas como fertilizantes, escreve o New York Times.

Algumas famílias começaram a vender mobília e tem aumentado em algumas zonas do país o número de crianças sem lar que procuram comida, continuou Ishimaru. Outros relatos falam do aumento dos preços de bens essenciais.

O relator especial da ONU para os Direitos Humanos na Coreia do Norte, Tomás Ojea Quintana, alertou na semana passada para situações semelhantes: “Um número crescente de famílias come apenas duas vezes por dia, ou comem milho, outros estão a passar fome”.

Um relatório, do início do ano, do Departamento de Agricultura norte-americano registou no ano passado um défice de bens alimentares na Coreia do Norte de aproximadamente de um milhão de toneladas. Isto significa que, em média, os norte-coreanos ingeriram menos 445 calorias das 2100 calorias recomendadas pelas Nações Unidas, refere o Wall Street Journal.

Este ano, o país pode registar uma escassez alimentar até 1,35 milhões de toneladas, de acordo com um relatório publicado em Maio pelo Korea Development Institute, um think-thank sul-coreano. “A escassez alimentar na Coreia do Norte é de uma escala que não pode ser superada por si só”, alertou Kwon Tae-jin, autor do relatório, citado pelo New York Times.

Contudo, vários especialistas não esperam que venha a registar-se uma fome severa no país, semelhante à crise de 1990. Ainda assim, acreditam que milhões de pessoas venham a ter dificuldades, inclusivamente a elite de Pyongyang. 

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