Projecto-piloto põe crianças de Viana do Castelo a brincar na rua

O projecto inclui 12 sessões, em Junho e Julho, seis às segundas-feiras na Abelheira e, outras seis, às quartas, em Monserrate.

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Rui Gaudencio

O projecto “Rua a Brincar”, que quer pôr as crianças de Viana do Castelo a brincarem nos espaços públicos da cidade, estava na gaveta há anos e viu agora a luz do dia por “fazer todo o sentido”, disseram nesta terça-feira as promotoras.

“Foi a rua que nos juntou. Cruzámo-nos na rua das Mimosas e na Rua dos Girassóis, no Cais Novo, e foi na rua que criámos laços que queremos desenvolver”, disse Rita Vintém, uma das promotoras da iniciativa.

A maternidade de Rita Vintém e as consequências do confinamento de mais de um ano devido à covid-19 em crianças de familiares e amigos da também promotora da iniciativa Rehana Jassat, levaram as duas amigas a avançarem com o projecto, que conta com o apoio da Câmara de Viana do Castelo, no âmbito da candidatura a Cidade Europeia do Desporto, em 2023, e enquadra-se na promoção de estilos de vida saudáveis.

Rita Vintém, de 31 anos, é formada em psicomotricidade e neuropsicologia, enquanto Rehana Jassat, de 33, em Relações Internacionais/Ciências Políticas. “Ainda hoje, quando saímos à noite, só queremos é estar na rua e não propriamente em espaços fechados”, atira Rita.

Com áreas de formação distintas, as amigas estão juntas no objectivo comum de deixar a “semente” que as juntou nas ruas do Cais Novo, em Darque, na marquem esquerda do rio Lima, “há mais de 20 anos”.

O “Rua a Brincar” arrancou na segunda-feira, num espaço ao ar livre na Abelheira, área urbana da cidade, e decorreu entre as 17h e as 19h. A primeira sessão contou com 26 crianças inscritas, que se foram juntando à brincadeira à medida da disponibilidade dos horários dos pais.

No total, o projecto inclui 12 sessões, em Junho e Julho, seis às segundas-feiras na Abelheira e, outras seis, às quartas, em Monserrate. A participação é gratuita, mas carece de inscrição na página oficial do projecto na Internet.

Sem medo da estrada

Tânia Moreira, de 29 anos, conheceu o projecto nas redes sociais e resolveu pôr a Inês, de 5 anos, a brincar com outros meninos que não os da escola que frequenta. Sentada à sombra de uma árvore, Tânia vai amamentando o filho mais novo, nascido em plena pandemia, enquanto, atenta, observa a filha. “Moro perto e resolvi trazê-la para brincar com outros meninos. Está entretida, um espaço livre, amplo grande, com relva, e não tenho que me preocupar se vai para a estrada ou com carros. É como era antes, quando íamos todos para a rua brincar”, referiu Tânia.

Depois de meses de confinamento, num apartamento, em teletrabalho, com momentos em que a filha de 5 anos é que ajudava na alimentação do irmão bebé, chegou a hora da Inês brincar “livre” e “segura”, sob o olhar redobrado da avó. “Há não muitas iniciativas para os mais pequeninos. Com este projecto há tempo para estarem juntos”, sublinhou.

Sara Fernandes, de 43 anos, soube do “Rua a Brincar” através da educadora do jardim-de-infância da filha. Achou a ideia “interessante” por ser “mais um tempinho de brincadeira, por dia, com outros meninos e com a possibilidade de viver experiências diferentes”.

“Brincar ao ar livre foi a motivação principal”, disse, referindo que tenciona repetir a sessão, conforme a disponibilidade, tanto dela como do pai. Interrompida pelo ladrar do cão de um casal que chega com o filho para se juntar à brincadeira, Sara garante que ambos vão “fazer o esforço para conciliar” o trabalho.

“Ela está a adorar. Está a conviver com outras crianças, outros adultos. Tudo isso faz crescer e sair da bolha com que convive diariamente. Espero que seja possível fazer este tipo de iniciativas também no inverno. Comparando com outras cidades, Viana do Castelo tem todas as condições”, frisou Sara Fernandes.

Ana Freixo, de 28 anos, levou o filho de 7 à rua para “conviver com crianças diferentes dos colegas de escola, em momentos de descontracção, após meses tempo de confinamento”. Soube da iniciativa através da Câmara de Viana do Castelo e garante que “sempre que possível” o filho estará na “Rua a Brincar”.

Rita Vintém explicou que, nesta primeira fase, pretende “disseminar” o projecto “para que as crianças se conheçam”. “A nossa ideia é que o projecto se perpetue, estejamos nós ou não, e que se torne, novamente, uma rotina ver as crianças a brincar na rua”, acrescentou.

Contra a iliteracia motora

Por ser da área da psicomotricidade e ter tido a “oportunidade de crescer na rua”, Rita Vintém diz que nos tempos que correm “há muita iliteracia motora porque os miúdos não têm a mesma oportunidade”.

“A ideia é que as crianças brinquem livres porque elas têm um dia mais preenchido, se for preciso, que o nosso, com actividades predefinidas e tudo estruturado. O que queremos é que brinquem livremente, ao que quiserem, nem que seja estarem sentadas na relva a apreciar a natureza. Durante duas horas estarem em segurança e fazerem o que lhes apetecer”, sublinhou a técnica.

Já Rehana Jassat não esperava a “grande” adesão ao projecto-piloto e acredita que, no balanço das 12 sessões, vai ser possível dar continuidade à iniciativa, alargada a outras zonas da cidade e do concelho.

“A maioria dos pais cresceu a brincar nas ruas. No nosso site as pessoas podem sugerir outros bairros em que gostariam de ter o “Rua a Brincar” e as actividades e jogos a promover. A nossa intenção é que as crianças se adaptem a estar na rua. Queremos transmitir-lhes as ferramentas que nos foram transmitidas a nós para estarem, sozinhas, na rua, tentando recriar o que nós tínhamos, no nosso tempo, todos os dias”, disse Rehana.

O vereador com a promoção da saúde na Câmara de Viana do Castelo acreditou no potencial do projecto e disse que, nesta fase, em ambiente controlado, a missão é disseminar a prática do brincar na rua. “Se virmos que o projecto tem sucesso, podemos desenvolvê-lo noutras zonas da cidade e até do concelho”, disse Ricardo Rego.

O vereador destacou ainda o “intercâmbio intergeracional” do projecto, que “acaba por juntar, no mesmo espaço ao ar livre, as crianças, os pais e até os avós”, que garantem o transporte.

Ricardo Rego disse que o investimento municipal é “residual”. “Tendo em conta o que ganhamos, vale a pena apostar”, observou.

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