O trabalho deles é vigiar a “paisagem que transmite calma” das Ilhas Selvagens

É no Posto Marítimo das Selvagens, instalado a meia centena de metros do mar, que, durante duas semanas, os cinco “guardiões” da reserva natural dormem, cozinham e também vigiam, com uma câmara de 360 graus, a Selvagem Pequena, que dista cerca de 15 quilómetros. “Temos o privilégio de trabalhar directamente com a natureza.”

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Carlos Lopes/Arquivo

Ter “casa” nas Ilhas Selvagens, na Madeira, onde se adormece e acorda com vista para o mar cristalino, é visto como um “privilégio” pelos vigilantes da natureza e agentes da Polícia Marítima, que são rendidos a cada 15 dias.

Este subarquipélago do arquipélago da Madeira faz parte da freguesia da Sé. Localizado em pleno Oceano Atlântico, a cerca de 300 quilómetros do Funchal, com 245 hectares, é vigiado e fiscalizado em permanência por três agentes da Autoridade Marítima Nacional (AMN) e por dois vigilantes do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza (IFCN).

“Temos um trabalho privilegiado em relação aos trabalhos comuns. Temos o privilégio de trabalhar directamente com a natureza. Isto é uma paisagem que transmite calma. Os trabalhos têm de ser feitos e distribuídos ao longo da quinzena e acaba por não ser muito cansativo”, conta à agência Lusa Carlos Santos, vigilante do IFCN.

A mascote das Selvagens chama-se Selvagem, uma cadela rafeira, de pelo branco, que, há mais de 16 anos, faz companhia a quem faz missões nesta reserva natural. “Selvagem sem Selvagem não é Selvagem”, diz um dos vigilantes da natureza à chegada da comitiva do ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, para uma visita de algumas horas àquela parte do território português, depois de uma viagem de 12 horas a bordo da fragata Álvares Cabral, desde o porto do Funchal.

É no Posto Marítimo das Selvagens, instalado a meia centena de metros do mar, que, durante duas semanas, os cinco “guardiões” da reserva natural dormem, cozinham e também vigiam, com uma câmara de 360 graus, a Selvagem Pequena, que dista cerca de 15 quilómetros.

“Durante esse período temos de saber fazer uma gestão dos trabalhos previamente predefinidos a desenvolver aqui na reserva. Em relação ao restante, vamo-nos revezando, trocando funções. Os que têm mais jeito para a culinária dedicam-se mais à culinária, os outros contribuem na lavagem da loiça. Fazemos a higiene diária da estação para mantê-la sempre um espaço apresentável e agradável para trabalhar, porque, no fundo, isto acaba por ser a nossa casa durante esse período”, explica Carlos Santos.

Para o vigilante da natureza, habituado a esta vida, o dia-a-dia é “apenas” mais um dia de trabalho. “É um dia praticamente normal. Além das tarefas habituais que desenvolvemos na nossa casa, temos os trabalhos que desenvolvemos e que são definidos no Funchal, antes de virmos para as ilhas, que são os apoios técnicos que damos aos ornitólogos das Selvagens, pois a reserva está mais direccionada para a ornitologia”, conta Carlos Santos.

Ao lado da “casa”, que está equipada com televisão e internet (muito lenta), estão as subidas, íngremes, estreitas e acidentadas, que levam até ao cimo da ilha, que tem o ponto mais alto a 163 metros de altitude. Ao longo do percurso em terra batida e com pedras soltas, confirma-se que as Selvagens são “um santuário” de aves, sobretudo das cagarras, que nidificam nas encostas em centenas de ninhos entre as rochas, alguns deles “ocupados” por estes animais em pleno dia de sol, e que se mostraram indiferentes ao barulho do caminhar, dos telemóveis e das máquinas fotográficas que captaram o momento durante a visita.

Realizar estas subidas até ao cimo da ilha para fiscalizar e vigiar o que a vista alcança no mar azul e límpido do Atlântico é uma das missões de quem para ali é destacado. Questionado sobre a eventual solidão que possa aparecer ao longo dos 15 dias, Carlos Santos entende que “é relativa”.

“Vai da maneira de ser de cada um. Adapto-me bem a este tipo de situação e nunca senti dificuldades em lidar com a solidão. Tento distribuir as tarefas e, naquelas horas mortas, em que há menos actividade operacional, gosto de nadar, de mergulhar, de ver a actividade de peixe existente e gosto de dar umas voltas, pois, isso também está enquadrado na fiscalização da área. De vez em quando, para espairecer, vou ao topo da ilha, ao mesmo tempo que estou a fazer uma fiscalização também estou a descontrair um pedaço”, relata o vigilante da natureza.

Rui Sousa é um dos agentes da Polícia Marítima que está de serviço actualmente nas Selvagens. “A nossa missão é o controlo e a fiscalização de todas as actividades relacionadas com a nossa área de jurisdição, quer na parte da aeronáutica de recreio, quer na pesca profissional. Neste caso específico, estando num parque natural onde são interditas praticamente todas as actividades, excepto a passagem da aeronáutica de recreio, controlamos a área, em colaboração com o pessoal do IFCN, através de patrulhamentos marítimos e terrestres”, explica. Não temos apoio directo de nada: não temos um supermercado, não temos uma farmácia, nós é que trazemos tudo e temos cá tudo disponível”, considerando que a “qualidade de vida aqui é a possível”.

Para este agente da PM, “não há propriamente uma parte chata” nesta missão de duas semanas nas Selvagens. “A missão está dada e temos de a cumprir.”

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