“Seria intolerável permitir obra na praia do Ourigo, para a seguir se discutir a sua demolição”

Não emendar o erro seria permitir violação da legislação de protecção do litoral e a própria lei da água, quanto ao risco de galgamentos e de inundações, alega o presidente da agência Portuguesa do Ambiente.

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A Agência Portuguesa do Ambiente errou ao dar um parecer positivo, condicionado, ao projecto do restaurante Shis, que está a ser construído na Praia do Ourigo, no Porto. Mas o presidente da APA explicou ao PÚBLICO que não corrigir o erro, ordenando, como o fez já esta semana, a suspensão da obra e a respectiva demolição, seria pactuar com uma “ilegalidade”. Para Nuno Lacasta, seria ainda “intolerável permitir uma obra para, a seguir, se discutir a sua demolição”, pelos riscos que ela enfrenta e representa, naquele local. 

Enquanto aguarda pela resposta à notificação enviada ao proprietário do restaurante, a APA está a trabalhar já no cenário de demolição, assumindo estar preparada para a levar a cabo, se o dono da obra não o fizer. Internamente, a equipa de auditoria da própria agência, está, “com total autonomia”, garante, a conduzir um inquérito, que segue em paralelo à investigação aberta pela Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território a todo o processo, para se perceber por que motivo a posição da agência em relação a este empreendimento ​mudou, após um primeiro parecer negativo.

Nuno Lacasta insiste que a obra nunca deveria ter sido permitida por violar, na perspectiva actual da agência, a legislação da Água. Além disso, acrescenta, nas áreas de protecção do litoral, que incluem as praias, só podem ser desenvolvidas actividades que tenham em conta a prevenção de riscos e garantam a segurança de pessoas e bens. E apesar de o Estado ter passado competências de gestão das praias para os municípios, “a APA reteve competências enquanto Autoridade da Água e vamos continuar a ter competências na protecção do litoral”, nota.

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Nuno Lacasta explica que não lhe resta outra alternativa a não ser suspender e demolir a obra Sérgio Azenha

"Não tínhamos alternativa"

Não “tínhamos alternativa a esta decisão”, garante, afirmando-se “impelido” a agir pelos riscos de galgamento e inundação ali já identificados no Plano de Cheias e Inundações em vigor desde 2016, riscos esses que entretanto foram actualizados, com mais dados, nos estudos para o novo Programa da Orla Costeira (POC) de Caminha a Espinho, que não está em vigor mas serve de orientação técnica. Aliás, na sequência deste caso, explica, foi dada uma orientação interna para que todos os processos em análise sejam avaliados já à luz do POC, que Nuno Lacasta estima que possa ser aprovado, brevemente, em conselho de ministros. 

Para o presidente da APA, é importante que o Programa da Orla Costeira da região entre em vigor. “Foi uma negociação longa e construtiva” com os municípios, recorda, afirmando que o documento está imbuído de princípios modernos de protecção do litoral, ao incluir, por exemplo, a questão dos riscos de galgamentos por tempestades tropicais – como a Hércules, que destruiu o anterior Shis, em 2014 – que serão mais frequentes. E que terão efeitos mais visíveis no litoral da região, que é arenoso e não tem protecções naturais, como arribas, explica.

Paulo Pimenta
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Questionado pelo PÚBLICO sobre a hipótese de a origem deste imbróglio estar, desde logo, na renovação, por parte da Administração do Porto do Douro e Leixões, da concessão para a utilização daquele espaço no areal, em 2017, três anos depois dessa tempestade destruidora, o presidente da APA diz que “essa é uma linha de inquérito pertinente”, que está a ser avaliada. Mas não entra no jogo de passa culpas com aquela entidade. 

“Nós já revogamos o parecer de 2017, e para todos os efeitos, voltamos à nossa posição anterior”, adianta, assumindo que, como a lei prevê, haverá lugar ao ressarcimento de prejuízos. “É preciso que se perceba que isto foi uma excepção, e que em 99% dos casos, as decisões são correctas e tomadas no tempo certo”, insiste Nuno Lacasta.

APA notificou três empresas distintas

A Agência Portuguesa do Ambiente enviou notificações a três empresas distintas, para assegurar que o despacho com a ordem de suspensão e intenção de demolição do restaurante Shis, na Praia do Ourigo, chegue efectivamente ao dono da concessão. Nuno Lacasta explicou que ao longo do procedimento, são vários os nomes das entidades intervenientes, que não sabia precisar, mas explicou que foi preciso assegurar que a ordem chega a quem de direito.

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O último comunicado sobre este caso aparecia assinado por uma entidade denominada PreparaSurpresa, mas na placa do licenciamento, em obra, o nome inscrito é da MGM - Sociedade de Exploração Hoteleira e Turística, uma empresa insolvente desde 2015. A outra firma seria, pelo que PÚBLICO apurou, a PISANAREIA, que segundo dados disponíveis online, tinha sede na mesma sala que esta última, no n.º 6 da Rua João de Deus, no Porto. O proprietário do empreendimento tem dez dias, após a recepção do despacho, para o contestar, antes da decisão final.

 
 
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