O autor como serial-killer

Eduardo Pitta, com saudável ausência de sentimentalismo, utiliza uma escrita directa e elegante que nos leva para os lugares mais obscuros da mente humana.

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Daniel Rocha

Em determinada altura da novela de Henry James, A Volta do Parafuso, a governanta, figura principal deste perfeito exemplar de literatura de “terror”, apercebe-se que uma das crianças a seu cargo está imóvel à beira do lago, de costas para ela. Mesmo de longe, ela “sabe” — ou intui — que algo estranho se passa. A criança está a falar, embora ela nada oiça, com o fantasma da antiga perceptora. Esta cena é para aqui chamada porque evoca a estranheza e a perturbação provocadas por algo que não pode ser explicado racionalmente e que, para além disso, não é obviamente maléfico, mas não deixa de ser perturbador. É essa sensação de incómodo, a que não falta um arrepio de excitação, que acompanha a leitura destes seis contos de Eduardo Pitta, reunidos sob o título Devastação. Eduardo Pitta é um daqueles autores que é capaz de escrever poesia, ensaio, literatura de viagens e prosa sem nunca abandonar uma espécie de “lirismo selvagem”, em que a crueldade natural do ser humano se conjuga elegantemente com as evocações mais refinadas, as referências mais requintadas. Assim, as suas personagens podem encontrar-se num ambiente esteticamente irrepreensível, podem ter sido educadas na abundância e no espírito mais cosmopolita, mas guardam, dentro de si, o trauma e a violência, a dor e a contrição que os marcam para a vida. Seja na velha Europa, seja nas decadentes e exóticas ex-colónias, durante o ocaso do Império, todos sofrem de um terror existencial que faz deles vítimas ou carrascos e, por vezes, ambas as coisas.

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