Novo presidente do Supremo desafia políticos a melhorarem punição do crime de colarinho branco

Magistrado tomou posse esta segunda-feira. Falou do descontentamento da sociedade em relação a condutas consideradas reprováveis e aludiu ao enriquecimento ilícito, embora por outras palavras.

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LUSA/ANTÓNIO COTRIM

O novo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, declarou no seu discurso de tomada de posse, esta segunda-feira, que a sociedade exige melhores punições para os crimes de colarinho branco

Sem nunca se referir explicitamente à criminalidade económico-financeira, o magistrado falou do descontentamento da sociedade em relação a condutas consideradas reprováveis. A da necessidade, a este propósito, de uma “actuação legislativa pronta, sobretudo na área penal, através da criação de novos tipos legais de crimes ou da adequação dos existentes à escala de valores por que a sociedade actualmente se rege”. 

Já no passado, quando dirigia o Tribunal da Relação do Porto, Henrique Araújo tinha defendido o agravamento das penas dos crimes relacionados com a corrupção. Desta vez, e perante “a reiterada impossibilidade de se alcançarem soluções consensuais na área da justiça”, o magistrado afirmou que se impõe “que o poder legislativo assuma, sem hesitações, as suas competências”, adaptando o Código Penal e restantes instrumentos legais às novas práticas criminosas. Ficou claro que o novo presidente do Supremo defende a criminalização do enriquecimento ilícito, mesmo não o tendo dito com todas as letras.

O magistrado deixou ainda um aviso à navegação: “A inércia do legislador, quando prolongada, aumenta a distância entre a lei e a realidade, abrindo espaço à desregulação e à impunidade”. 

Henrique Araújo falou também dos danos no seu entender irreparáveis que os megaprocessos criam à imagem da justiça. “O sentimento de descrença no aparelho de justiça resulta da expectativa frustrada dos cidadãos na resolução rápida de processos criminais de grande envergadura em que, geralmente, são visadas figuras da sociedade com notoriedade pública”, descreveu, explicando que as estatísticas internacionais mostram que a generalidade do sistema judicial português não é mais lento que os de muitos outros países.

Porém, o arrastamento dos grandes processos, "seja pela sua complexidade intrínseca, seja pelos expedientes usados para tornar mais longínqua a decisão final, cria um dano irreparável na imagem da justiça, infligindo simultaneamente um desgaste na confiança do sistema”, lamentou.

“É este o principal problema com que a justiça dos tribunais comuns actualmente se defronta, e que demanda uma especial atenção por parte das entidades responsáveis”, desafiou o novo presidente do Supremo, que antecipa um aumento da procura dos tribunais por via da crise económica e social gerada pela pandemia. 

Os expedientes de alguns arguidos

Os expedientes a que recorrem alguns arguidos para arrastar os processos durante anos, graças às imensas possibilidades que a lei lhes abre a esse nível, também não escaparam às críticas de Henrique Araújo. Nem isso nem as sentenças demasiado longas e rebuscadas que muitos juízes proferem. “Escreve-se muito. Consomem-se, sem critério, dezenas ou centenas de páginas em argumentações desprovidas de interesse e em repetições escusadas”, assinalou o juiz. “É cada vez mais frequente depararmos com despachos ou sentenças cuja leitura se transforma num difícil exercício”. 

Os 67 anos de Henrique Araújo não lhe deverão permitir cumprir o mandato até ao fim, razão pela qual poderá ter de abandonar o cargo daqui a três anos, quando completar as 70 primaveras. Porém, segundo algumas interpretações da lei essa regra poderá não se aplicar a mandatos já iniciados. O mesmo já tinha sucedido com anterior detentor do cargo, Joaquim Piçarra, que agora deixa funções. 

O novo presidente do Supremo é natural de Arcos de Valdevez, tendo-se licenciado em Direito em Coimbra em 1978. Chegou a integrar o conselho geral da Associação Sindical de Juízes Portugueses e também o Conselho Superior da Magistratura. Numa intervenção pública que fez quando dirigia o Tribunal da Relação do Porto mostrou-se particularmente crítico do comportamento das figuras públicas apanhadas nas malhas da lei. “Quando uma personalidade de vulto é apanhada nas malhas da investigação criminal, a frase que imediatamente se apresta a disparar é, repetidamente, esta: ‘Aguardo serenamente o desenrolar do processo e colaborarei com a justiça no que for necessário para que se apure a verdade’. Porém, quando o tribunal decide, logo se solta a revolta do visado, que, invariavelmente, reclama inocência”.

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