A Saúde que temos, a Saúde que queremos

A despesa global em Saúde disparou em 2020, aumentando a pressão sobre um SNS já com manifesta dificuldade pré pandemia em dar resposta, nalgumas áreas, às necessidades em cuidados de saúde da população. A nova situação impõe a exigência de reformas a diferentes níveis.

Melhor negócio que o da saúde, só o das armas. Ficou célebre a frase da gestora Isabel Vaz, presidente da Comissão Executiva do Grupo Luz Saúde, hoje parte do universo do grupo internacional Chinês Fosun. Pouco interessa saber se é da sua autoria ou se se limitou a sintetizar um pensamento transversal a um universo politico-gestionário que vem fazendo caminho na área da Saúde. Afinal, mais não é que um remake de uma outra frase hostil, “quem quer saúde paga-a”, proferida nos primórdios do SNS por um ex-ministro dos Assuntos Sociais.

Ambas as afirmações sintetizam um pensamento que nos deixa com “pele de galinha”, mas que traduz uma forma ancestral de encarar a prestação de cuidados de saúde, uma espécie de toma lá dá cá, próprio de uma organização social assente numa conceção mercantil. Sucede que numa sociedade que institui um modelo de terceiro pagador por considerar a Saúde um direito social, o ato médico, quando tratado como um qualquer bem de consumo, pode gerar elevados proventos para os prestadores, transformando-se num enorme quebra-cabeças para o Estado Providência.

A mercantilização da Saúde explica, em parte, que a consulta médica, ponto de encontro de excelência entre o profissional e o doente, venha a ser desvalorizada em benefício da realização de múltiplos exames que, no conjunto, oneram a prestação de cuidados de saúde sem que tal se traduza, necessariamente, numa mais-valia para a saúde da pessoa em causa.

Mas é na desvalorização da prevenção que a visão centrada na medicina consumista tem efeito mais deletério. O enorme desenvolvimento dos meios de diagnóstico e de tratamento da doença levaram a imaginar o Homo Deus, acreditando na possibilidade de vencer a morte através da vida artificial, ilusão que os avanços na robótica reforçam. Inesperadamente, surge uma pandemia infeciosa que obriga a conduzir políticas públicas tendo os pés bem assentes na terra.

Sabemos que a despesa global em Saúde disparou em 2020, aumentando a pressão sobre um SNS já com manifesta dificuldade pré pandemia em dar resposta, nalgumas áreas, às necessidades em cuidados de saúde da população. A nova situação agudiza o problema da sustentabilidade financeira do SNS, impondo a exigência de reformas a diferentes níveis. Neste contexto, é imperioso reduzir a carga de doença global apostando mais fortemente em medidas preventivas, visando reduzir o peso da doença na despesa global em Saúde. Tanto mais quando o País apresenta uma enorme décalage entre esperança média de vida e número de anos de vida saudável.

Muitos de nós estão recordados do papel relevante que a televisão teve no passado neste domínio, na área cardiovascular com o Professor Fernando Pádua, e não só. O conceito de “a Saúde em todas as políticas” faz todo o sentido, invista-se então mais na vertente preventiva utilizando, entre outros, o meio de comunicação social mais poderoso e mais transversal na sociedade atual.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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