Uma nova oportunidade para a Europa e Portugal

O futuro de Portugal e da Europa tem de passar por um modelo de crescimento forte, diversificado e sustentável a todos os níveis. A indústria tem de voltar a ter o protagonismo que, infelizmente, perdeu.

Dúvidas houvesse, é cada vez mais evidente que o mundo pós-pandemia não voltará a ser o mesmo – não significa que isso seja negativo, significa que, agora mais do que nunca, temos a oportunidade de aprender com os erros do passado ainda recente e escrever a História com o sentido que todos merecemos. Se alguma coisa esta pandemia mudou foi, com certeza, a consciência coletiva de que a Europa precisa urgentemente de se reindustrializar, para garantir capacidade de resposta em áreas fundamentais e não ficar tão dependente de países terceiros. E que Portugal pode e deve participar tanto quanto possível neste esforço de reindustrialização, pois será a única forma de garantirmos um crescimento sustentável das atividades industriais e não dependermos em demasia do setor dos serviços.

No fundo, precisamos de pensar numa estratégia que torne as nossas indústrias mais competitivas, resilientes e sustentáveis tanto a nível económico como ambiental e social. Isto evitar-nos-á problemas como os que vivemos com a covid-19 – a incapacidade que a Europa demonstrou em produzir matérias primas e materiais básicos e essenciais de forma a garantir a proteção da população, como foi o caso das máscaras, dos testes ou dos ventiladores.

Mais recentemente, surge a questão da produção de vacinas – em tempo recorde, as farmacêuticas conseguiram desenvolver várias vacinas contra a covid-19, no entanto, os laboratórios europeus não tiveram e ainda não têm capacidade de produzir as quantidades necessárias para que os países consigam vacinar a sua população e atingir a imunidade de grupo no tempo pretendido. Este é um reflexo claro e perigoso da falta de capacidade industrial, e particularmente de uma indústria diferenciada capaz de dar resposta às exigências das novas tecnologias. Esta fragilidade coloca a União Europeia numa posição vulnerável quando precisa de negociar e espelha o quão longe estamos de recuperar a liderança nos grandes mercados industriais.

Acreditamos que uma das estratégias mais eficazes para fazer frente a esta situação seja tirarmos partido do know-how de cada um e estabelecermos sinergias robustas e de qualidade que nos garantam uma posição competitiva nos mercados internacionais. Temos de criar uma cultura de trabalho em parceria, numa lógica estratégica de cluster. Ponto positivo é que, progressivamente, começamos a ver isso acontecer – o comissário do Mercado Interno, Thierry Breton, anunciou recentemente que a União Europeia tem 53 locais de produção completa ou de componentes de vacinas anticovid-19. Com isto, numa perspetiva otimista, espera-se que a produção possa ascender a mais de três mil milhões de doses até final do ano.

Portugal tem agora a oportunidade de se reerguer e para isso precisa de desenvolver um plano cujo foco seja a competitividade de toda a indústria nacional, desde o calçado, ao vestuário, ao turismo e às ciências farmacêuticas. É necessário implementar uma estratégia que garanta uma correta e eficaz utilização dos fundos do Plano de Recuperação Europeu, investindo na produção de bens e serviços, com maior valor acrescentado e em áreas como a digitalização ou a transição energética.

Além disto, somos um país com características particulares que devem ser usadas como trunfos importantes, nomeadamente a elevada qualificação dos recursos humanos, a facilidade de dominar várias línguas, a tecnologia, a qualidade do conhecimento e inovação que somos capazes de produzir.

O país tem plena noção desta necessidade e reflexo disso são os 558 milhões de euros previstos no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) destinados à reindustrialização, que (esperamos) garantirão a transformação estrutural da economia nacional. Entre as áreas estratégicas anunciadas estão as ciências, os medicamentos e dispositivos médicos – este é um ponto a refletir, tendo em conta que 40% dos medicamentos comercializados na União Europeia (UE) são provenientes de países terceiros e que 60% a 80% dos princípios ativos dos medicamentos são fabricados em mercados externos. Isto mostra-nos, claramente, que a perda de independência europeia no setor da saúde se deve em grande parte à deslocalização da produção. Além das matérias primas, também consumíveis como filtros, resinas especiais ou materiais de purificação de vacinas podem causar constrangimentos nas produções na Europa/Portugal.

Esta situação precisa de ser revista com urgência, principalmente porque a União Europeia há muito enfrenta o problema de escassez de medicamentos, algo que se tem vindo a agravar nos últimos anos, devido ao aumento da procura mundial. Mais recentemente, a pandemia fez disparar todos os alarmes, ao agravar ainda mais esta carência, algo que, inevitavelmente, fragiliza os sistemas de saúde dos Estados-membros.

É aqui que todos temos um papel a desempenhar, conseguindo pensar mais além e aproveitando estas oportunidades. A Bluepharma, por exemplo, iniciará ainda este ano a construção de um parque tecnológico para criação de um cluster farmacêutico em Coimbra, o Bluepharma Park, com uma área total de 6,5 hectares e com um investimento total de cerca de 150 M€ para efetuar ao longo dos próximos dez anos. Este projeto permitirá à Bluepharma a entrada direta no setor dos injetáveis complexos de última geração, tornando-a em mais um ativo nesta corrida à recuperação da economia e da saúde dos portugueses.

O objetivo é passar a plataforma logística do grupo para o Bluepharma Park, mas também atrair parceiros internacionais para este parque em que uma das prioridades da empresa é entrar nos injetáveis complexos de última geração, sem descartar as vacinas, que não são mais que injetáveis complexos, numa fase posterior.

O futuro de Portugal e da Europa tem de passar por um modelo de crescimento forte, diversificado e sustentável a todos os níveis. A indústria tem de voltar a ter o protagonismo que, infelizmente, perdeu. Temos de nos tornar numa fonte importante da criação de emprego, de investimento e de inovação. Uma estrutura industrial modernizada é uma estrutura industrial robusta e capaz de promover a recuperação do país, que todos tanto ambicionamos e precisamos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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