Malala é capa da Vogue britânica: “Não somos sempre a mesma pessoa”

O maior medo da jovem paquistanesa de 23 anos é falhar às raparigas que dependem de si para fazer ouvir a sua voz e defender os seus direitos, desabafou em entrevista.

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A Nobel da Paz é capa da revista Vogue britânica deste mês INSTAGRAM/British Vogue

Pode pensar-se que Malala Yousafzai é tudo menos uma jovem normal, já que aos 17 anos venceu o Prémio Nobel da Paz. Mas, afinal, as inquietações da activista são as mesmas de qualquer jovem de 23 anos — o que fazer no futuro; como equilibrar a vida profissional e pessoal; as relações amorosas... “Fico deitada na cama horas a pensar ‘o que vou a fazer a seguir?”, conta, em entrevista à edição britânica da revista Vogue. A jovem paquistanesa está na capa da edição deste mês, que chega às bancas esta sexta-feira, 4 de Junho.

Já passaram quase 13 anos desde que se tornou voz pelos direitos das jovens no Paquistão e a mensagem de Malala continua a ser a mesma: “Quero dizer a toda gente que podemos ter a nossa própria voz, dentro da nossa cultura. Podemos ter igualdade na nossa cultura”. Nem um episódio traumático a fez recuar — aos 15 anos foi alvejada em Mingora, a sua cidade natal, por talibãs, quando regressava a casa depois da escola. 

O ataque motivou-a a criar o Fundo Malala e a lançar, no ano seguinte, em 2013, a autobiografia Eu, Malala. Desde então, venceu o prémio Nobel da Paz, em 2014, e já se sentou com presidentes e primeiros-ministros de todo o mundo para discutir os direitos das mulheres jovens. Em 2017, entrou em Oxford para estudar Filosofia, Política e Economia; terminou o curso em 2020 e escreveu sobre como se sentia perdida, um sentimento comum entre os finalistas do ano da pandemia.

Agora, está num impasse, à semelhança de tantos outros jovens da mesma idade. Deve procurar um trabalho? Candidatar-se a um mestrado? Ir viajar? Enquanto não decide o que fazer, conta à Vogue, dedica-se a saborear caril de borrego da mãe, a ler os 84 livros a que se propôs este ano, a fazer scroll nas redes sociais. Está também a dedicar-se à produção de televisão, tal como os duques de Sussex ou os Obama, que encontraram nas plataformas de streaming uma forma de se aproximar do público. Os conteúdos preparados pela produtora de Malala, a Extracurricular, vão ser emitidos na Apple TV+ e não estarão cingidos a uma temática em específico: “Quero que estes programas entretenham e sejam o tipo de coisas que eu veria”.

Os pretendentes e a vida académica

É ao pai que Malala deve o seu espírito activista. Ensinou-a a lutar contra a injustiça, onde quer que a veja. “O meu pai tomou sempre atitudes quando sentia que alguma coisa não estava bem”, recorda. Por isso, diz que nem teve oportunidade de escolher ser outra coisa que não uma activista, nem escolheu que os talibãs ocupassem a região do vale do Suat, onde nasceu. “O meu activismo começou cedo, e foi influenciado por coisas externas, que não estavam sob o meu controlo”, assegura.

Só terá começado a fazer escolhas quando foi para a universidade, em 2017, garante. Podia escolher entre deitar-se cedo e tarde, ir às compras e cozinhar e pedir takeaway. “Estava entusiasmada com literalmente tudo”, admite. Os anos antes — depois de a família se ter mudado para Birmingham, na Inglaterra, por motivos de segurança — não tinham sido fáceis na escola secundária, por ser impossível separar a activista da adolescente. “As pessoas perguntavam-me coisas do género ‘como é conhecer a Emma Watson, a Angelina Jolie ou o Obama?”, lembra. “Não sabia o que dizer. É estranho, porque queria deixar a Malala fora da escola, queria ser só uma estudante e uma amiga.”

Em Oxford, decidiu que tudo seria diferente. Rapidamente encontrou o seu círculo de amigos na vida académica e faz um balanço muito positivo desses três anos, onde foi “muito feliz”. “Há um ditado que diz: existem três coisas em Oxford, dormir, socializar e estudar, e não as podes ter às três. Socializar foi o meu número um”, garante.

Quanto à vida amorosa na universidade, não revelou muito, mas diz que o assunto a deixa “um pouco nervosa”, já que todas as amigas estão a encontrar namorados e ela ainda não sabe o que quer. As redes sociais também não ajudam, confessa, com “toda a gente a partilhar as suas relações”. O pai continua a receber e-mails de possíveis pretendentes do Paquistão, que dizem ter “muitos alqueires de terra e muitas casas”.

Até há pouco tempo, tinha uma opinião bem definida quanto a relações: “Pensava, ‘nunca me vou casar, nunca vou ter filhos; vou continuar apenas a fazer o meu trabalho. Vou ser feliz a viver com a minha família para sempre’”. Agora, já não sabe se é isso que a fará feliz: “Não tinha percebido que não somos sempre a mesma pessoa. Também mudamos e crescemos”.

O maior medo da jovem de 23 anos é falhar às raparigas que dependem dela para fazer ouvir a sua voz e defender os seus direitos, referindo às que não sabem ler ou às que foram ou são casadas com homens muito mais velhos contra a sua vontade. Malala pensa nelas constantemente: “Preocupo-me muito com o meu trabalho e preocupo-me com quanto demorará para atingirmos os objectivos que nos propusemos”. “As pessoas dizem-me: ‘Malala, não te preocupes, não é a tua responsabilidade, deviam ser os líderes a preocupar-se!’ Mas se eu tenho a capacidade de fazer alguma coisa para continuar a alertar, então devo fazê-lo”, conclui a Nobel da Paz.

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