Jorge Benvinda na estreia a solo: “Toda a nossa vivência anda à volta do amor”

A par dos Virgem Suta ou de projectos como Paião, Jorge Benvinda lançou um álbum a solo que começa a tentar fazer-se à estrada: Vida a Dois, já garantido no OuTonalidades 2021.

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Jorge Benvinda fotografado para a capa de Vida a Dois BRUNO NACARATO

Metade dos Virgem Suta, banda pop-rock de Beja que fundou em 2009 com Nuno Figueiredo, Jorge Benvinda tem agora um álbum a solo, Vida a Dois. O título do disco vem da primeira canção que escreveu para ele, inspirado na leitura de Livro, de José Luís Peixoto. A primeira entre dez, gravadas entre o Alentejo, Lisboa e Porto com produção de João Pedro Coimbra. Mas para chegar às dez que gravou, compôs umas 30, que foi reduzindo num processo de depuração.

“Comecei a pensar neste disco em 2018”, diz Jorge Benvinda ao PÚBLICO, “porque também terminei nesse ano uma relação de cunho profissional que tinha com a área da restauração, em dois espaços aqui em Beja, e isso deu-me muito mais tempo para compor e trabalhar na música.” Trabalhado o conceito ao longo de 2019, a gravação de Vida a Dois terminou em Fevereiro de 2020, mesmo a rasar a declaração de pandemia que em Março parou quase tudo. “Estava tudo a correr muito bem nos projectos em que estou envolvido, Virgem Suta, Canções de Roda [projecto colectivo que assinou com Ana Bacalhau, Sérgio Godinho e Vitorino], Paião [outro trabalho colectivo, este celebrando a música de Carlos Paião] e este seria mais um pilar no trabalho que faço como músico. O objectivo era ter saído em 2020, mas saiu este ano.” A chancela é da Universal, com apoio da Fundação GDA (Gestão dos Direitos dos Artistas).

Polvo suicida e Júlio Verne

A temática do amor e das relações pessoais, central em Vida a Dois, também já estava presente em vários temas dos dois mais recentes álbuns dos Virgem Suta, Doce Lar (2012) e Limbo (2015). “Sempre trabalhámos diferentes formas de ver o amor, e essas histórias sempre fizeram parte da nossa vida. O Nuno Figueiredo sempre escreveu mais sobre o amor, enquanto o que eu escrevia era mais interventivo, como nas Mulas da agonia. Mas as relações de amor de que falo neste disco são muito mais pessoais. Porque aqui abranjo amores definitivos, como o que tenho pela minha filha, numa canção [Por ti] a desejar-lhe força e coragem para enfrentar a vida.”

Se Vida a dois, a canção, “acaba por ser um resumo da história amorosa das duas personagens principais” de Livro, que José Luís Peixoto publicou em 2010, há também aqui outros amores, inclusive o amor pelo planeta, bem espelhado na ironia cáustica de Polvo à la crude (que no disco, por lapso, vem descrita apenas como Polvo): “É um polvo que se apercebe da falta de amor que existe na Humanidade com os oceanos, com a família dele, e se suicida: fica sozinho, vai para uma praia, deixa-se apanhar e vai parar à boca de um representante da Humanidade, envenenando-o com o lixo dos mares e assim passar um correctivo a todos os humanos, para verem que os oceanos não podem ser tratados desta forma. É uma história caricata e um alerta.”

A Terra é também tema de uma outra canção, Willy Fog (nome dado a uma personagem de animação inspirada no Phileas Fogg do livro A Volta ao Mundo em 80 Dias de Júlio Verne): “Ao escrever esta canção, pensei muito nos meus pais e nas saudades que tinha de poder voltar a estar com eles. Eles tinham o sonho de ter uma agência de viagens e, com essa agência, talvez a possibilidade de passearem mais pelo mundo. Isto leva-me a uma fase da minha vida em que eu via os desenhos animados, era miúdo, e ouvia estas histórias que não se concretizaram, porque eles acabaram por falecer sem nunca concretizarem esse desejo de dar a volta ao mundo.” O disco traz, na contracapa, uma foto antiga de família que deixa expressa essa saudade. “Sou eu, com uma camisola amarela [nessa altura teria uns 5 ou 6 anos]; as minhas duas irmãs, cada uma com o seu vestidinho vermelho; a minha prima Carlota, a minha avó Joaquina e os meus pais.”

“Vivemos para o amor”

Nascido em Beja, em 27 de Abril de 1974, dois dias após o derrube do regime pelo movimento dos capitães (“Sou um filho da revolução, quase que vim com um cravo na boca”), Jorge Benvinda justifica ainda este seu disco com um pensamento: “O ser humano vive para o amor. Gosta de trabalhar, de fazer mil e uma coisas, mas na verdade nós vivemos para o amor, para amar e ser amados e toda a nossa vivência anda à volta disto”. Daí canções como Está a chegar o amor ou Namorados, esta com a participação, em dueto, de Cláudia Pascoal. “Tirei a carta de condução aos 18 anos”, recorda Jorge. “Mas não foi com o dinheiro que o meu pai me deu para tirar a carta, esse gastei-o numa prancha de surf; a minha avó descobriu e pagou-me a carta de condução. E aos 19 anos o meu pai ofereceu-me um Datsun CA, um carro maravilhoso, que parecia um Porsche do pop. Lembro-me que com esse carro na primeira noite fui logo a uma discoteca, em Moura, e no fim-de-semana fomos para a praia, para a zona de Porto Covo, São Torpes. Namorada, amigos, a malta ficava toda a dormir no carro. Tudo era simples, andávamos e acordávamos em qualquer lado, o carro era uma casa e o amor existia. Esse lado, o de estar disposto sempre a tudo, quis pô-lo nessa canção, Namorados, com a Cláudia Pascoal – que é uma cantora fantástica e tem uma energia maravilhosa – a dar voz à minha namorada.”

Dar vídeos às canções

Vira o frango volta à ironia e crítica social (“O que se diz/ A quem se amanha/ E que anda/ Sempre à mama/ Da miséria/ Que o pobre tem pra viver”) e isso reflecte-se de modo evidente no videoclipe da canção. “É mais popular. Eu queria dar vídeos às canções, mas como ninguém anda a nadar em dinheiro para fazer vídeos, contei com amigos como o Miguel Ferro para fazer vídeos aqui perto de casa [na aldeia da Cabeça Gorda, perto de Beja]. Tenho aqui muitos amigos, uns que são pastores, outros que cortam lenha, outros que são mecânicos, outros ainda que têm uma casa maravilhosa de aldeia, de monte. Um imaginário simples de alentejano, que tenho aproveitado para mostrar aquilo que faço, aquilo que sou, a minha genuinidade.”

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Jorge Benvinda BRUNO NACARATO

Além disso, os cenários que aparecem nos videoclipes que Jorge Benvinda tem vindo a publicar são aqueles onde se resguardou da pandemia. “São sobretudo os sítios que habitei durante o meu confinamento”, diz. João Pedro Coimbra, que produziu e misturou o disco, já havia trabalhado com ele no projecto Paião. “Estarmos na estrada com Paião possibilitou esta partilha de canções e começarmos a trabalhar juntos. Gosto muito do trabalho e da estética dele. O objectivo agora é levar isto para palco, juntamente com ele, com o Jorge Costa, com o Bruno Vasconcelos, com o Miguel Urbano (que trabalhava com a Quinta do Bill). Temos aqui um quinteto porreiro para ir para a estrada e para fazer a festa”. O que poderá acontecer já no Verão, mas acontecerá certamente no Outono, pois Jorge Benvinda é um dos nomes já seleccionados para a edição do OuTonalidades 2021, organizado pela d’Orfeu, que começa já em Setembro.

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