Confinar ou desconfinar: porque é mais difícil decidir agora…

Só agregando concelhos contíguos será possível baixar a incerteza dos rácios do número de infetados por 100.000 habitantes ou o risco a eles associados.

Em janeiro, no decurso da última vaga de incidência de covid-19, houve um fator determinante na decisão das autoridades de saúde de um confinamento total: o custo de uma má decisão. O critério dos menores custos de uma má decisão é simples e intuitivo, mas, muitas vezes, não muito fácil de avaliar: depois de avaliados os custos de uma decisão, confinamento ou desconfinamento, é tomada a decisão que tem menos custos caso esta seja errada. No caso da decisão de confinamento, os custos de uma má decisão são essencialmente económicos e sociais; os custos de uma má decisão pelo desconfinamento traduzem-se em vidas humanas, hospitalizações e óbitos.

Na última vaga, a relação entre a incidência de casos de infeção e o número de internados e óbitos era tão forte que fazia com que o custo de uma má decisão de desconfinamento fosse incomparavelmente mais elevado que o custo de uma má decisão de confinamento. Independentemente da incerteza dos rácios do número de infetados por 100.000 habitantes, ou o risco a eles associados, a diferença destes custos, mesmo difíceis de quantificar, fazia com que a decisão de confinamento tivesse sido a mais lógica, óbvia e por isso consensual.

Hoje, com os atuais níveis de vacinação e imunidade, deixou de existir uma relação clara entre a incidência de infetados e os internados em cuidados intensivos e os óbitos. Consequentemente, os custos da má decisão de desconfinamento caíram significativamente, deixando de existir o desnível brutal entre custos que existia em janeiro. Consequentemente, é muito mais difícil decidir agora do que em janeiro, precisamente porque agora tem de se entrar em conta com fatores que, em janeiro, eram quase negligenciáveis face ao desnível daqueles custos. Por exemplo, a incerteza do rácio de incidência por 100.000 habitantes, que é um dos dois critérios da atual matriz de risco que determina os diferentes níveis de confinamento.

Admitindo que a testagem consegue dar uma imagem não enviesada da incidência, o fator que mais pesa na incerteza daquele rácio é o denominador, o número de habitantes dos municípios. Em termos simples, quanto menor o número de habitantes de um dado município, maior a incerteza do rácio e do risco associado àquele rácio (ver Geostatistical COVID-19 infection risk maps for Portugal

International Journal of Health Geographics

Full Text (biomedcentral.com). A incerteza daqueles rácios, ou do risco de infeção, passa a ser um fator extremamente importante na decisão de confinar ou desconfinar um dado município.

Se, com o aparecimento das novas estirpes, a não correlação entre incidência e os óbitos e doentes em cuidados intensivos continuar a ser constatada, então começa a ser razoável as autoridades de saúde começarem a baixar a incerteza dos rácios e do risco, para tomarem a decisão de confinamento, particularmente em concelhos de baixa densidade populacional. Isso faz-se agregando os concelhos contíguos até que o número de habitantes do conjunto de concelhos dê maior consistência estatística ao valor médio de incidência do conjunto, baixando, deste modo, a incerteza. A decisão passaria então a ser tomada para conjuntos de concelhos de baixa densidade populacional. A exemplo do que já se faz hoje nos grandes municípios de Lisboa e Porto, em que a avaliação dos rácios se faz também por freguesia, mas a decisão de confinamento continua a ser tomada, e bem, ao nível dos concelhos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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