“O grande tempo da obra de Agustina é o que está para vir”

O salão nobre da Biblioteca Palácio Galveias, em Lisboa, recebe o nome da escritora dois anos depois da sua morte. A filha, Mónica Baldaque, diz que há “muita gente nova, muita mesmo, a descobrir Agustina”.

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Agustina Bessa-Luís morreu em 2019 com 96 anos Paulo Ricca

Agustina Bessa-Luís, revela a sua filha Mónica Baldaque, “não gostava muito de homenagens” mas “gostava de festas de anos com bolo e champanhe”. A 15 de Outubro do próximo ano vai comemorar-se o centenário do seu nascimento e Lisboa terá então um salão de festas adequado à ocasião.

A partir desta quinta-feira, data em que se assinalam dois anos desde a morte de Agustina, o salão nobre da Biblioteca Palácio Galveias recebe o nome da escritora. A ideia partiu da vereação do CDS na Câmara de Lisboa logo após o falecimento de Agustina e obteve a concordância de todas as forças políticas. “Entendemos que Lisboa deveria prestar uma justíssima homenagem à obra e vida de Agustina Bessa-Luís, que tem um papel e um lugar ímpares na literatura portuguesa contemporânea”, afirma Assunção Cristas.

Autora de livros onde o Porto e o Douro são frequentemente a paisagem de fundo, “Agustina sempre disse que Lisboa era a sua cidade”, diz Mónica Baldaque. “O Norte, o Porto era a cidade onde ela trabalhava, mas o seu gosto era a cidade de Lisboa”, comenta. Ainda que assim não fosse, acrescenta Cristas, “ficaria mal a Lisboa, enquanto capital, se não reconhecesse e não chamasse a si uma figura que não é apenas do Norte, é do país e do mundo, por aquilo que escreveu e pelo que nos deixa.”

Quando morreu, a 3 de Junho de 2019, a autora de A Sibila e Vale Abraão, Dentes de Rato e Fanny Owen, entre muitos outros títulos, foi recordada como um “mistério literário” com um “génio” perante o qual o Presidente da República “se curvou”. Esta quinta-feira, que calha ser feriado, as Galveias recebem o crítico literário e poeta Pedro Mexia, a família de Agustina e o presidente da câmara, Fernando Medina, para o descerrar da placa.

“A nossa ideia é que isto seja o começo de alguma coisa, que desperte o interesse para Agustina e para a sua obra, como também possa despertar, dentro da própria câmara, a vontade de ter iniciativas para dar a conhecer Agustina. Que não se fique só pelo descerrar de uma lápide”, deseja Assunção Cristas.

Mónica Baldaque, que no princípio deste ano publicou o diário familiar Sapatos de Corda, congratula-se por haver “muita gente nova, muita mesmo, a descobrir Agustina e a interessar-se por ela de uma forma perfeitamente nova, já sem os preconceitos dos mais velhos”. Para isso tem contribuído, acredita, a reedição da obra da mãe pela Relógio d’Água e a procura dos seus livros para adaptações cinematográficas. “Os novos estão na primeira linha.”

Já sem a presença física de Agustina – que aliás comentava que eram mais os que a conheciam do que aqueles que liam o seu trabalho – “fica a obra e isso é que realmente é fundamental para o conhecimento de um pensamento”, sublinha Mónica Baldaque. “É como dizia o meu pai: a obra de Agustina só daqui a 100 anos é que vai ser verdadeiramente valorizada e conhecida.”

Assunção Cristas concorda: “O grande tempo da obra de Agustina é o que está para vir.” E arrisca que “vai ser uma autora muitíssimo valorizada quando as novas gerações se aperceberem das temáticas que aborda, nomeadamente a centralidade que a mulher tem em toda a sua obra.” A vereadora do CDS acredita que esse poderá ser “um ângulo interessante de descoberta”, especialmente “numa altura em que continuamos a precisar muito de olhar atentamente para as mulheres, para o que fazem, para o que podem fazer, para o que não nos deixam fazer, para a forma como muitas vezes são subalternizadas na sociedade.”

“Os tempos mudam, é verdade, mas a alma não muda”, resume Mónica Baldaque. “A grande preocupação de Agustina é o conhecimento da alma e é isso que vai permanecer.” Sobre o centenário que se avizinha não tem dúvidas: “Fazer-lhe uma festa de anos em Lisboa vai ser muito bonito.”

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