Novo Banco: casos de imparidades “excessivas” causaram “preocupação”

O presidente do órgão criado para controlar as vendas de activos tóxicos no Novo Banco admite lacunas e limitações na sua função. Apesar de identificar operações que geraram preocupações.

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LUSA/TIAGO PETINGA

José Bracinha Vieira é um nome pouco conhecido dos portugueses, mas a sua missão é bastante importante - preside à comissão de acompanhamento que monitoriza o Acordo de Capitalização Contingente (CCA, na sigla inglesa) assinado na venda do Novo Banco ao Lone Star. Nas palavras do próprio, a comissão de acompanhamento é os “olhos e os ouvidos do Fundo de Resolução” nas decisões do Novo Banco. Foi este motivo que levou os deputados da comissão de inquérito ao Novo Banco a chamar este responsável ao Parlamento, onde admitiu que houve casos de imparidades registadas pelo Novo Banco que levantaram “preocupações” - embora “excepcionais” -, bem como a existência de algumas lacunas e limitações no acompanhamento que a comissão faz à forma como o Novo Banco executou o acordo de capitalização contingente. No entanto, Bracinha Vieira defende o escrutínio que o Fundo de Resolução tem feito.

Quando o banco foi vendido em 2017 ao Lone Star, o Fundo de Resolução ficou com uma participação de 25%, mas sem poderes de gestão. É à comissão de acompanhamento que cabe o papel de verificar o andamento das condições do que ficou combinado entre o Estado português e a Lone Star, sob as condições da Comissão Europeia. José Bracinha Vieira considerou a solução “boa” por evitar um impacto imediato dos prejuízos no Fundo de Resolução, admitiu que há sinais de que há uma vida diferente no Novo Banco depois da reestruturação feita - até de “reversões parciais das imparidades”, mas sem que isso implique uma reversão das chamadas de capital ao Fundo de Resolução - apenas ameaçada caso o fim das moratórias não seja gradual, a “única preocupação" a ensombrar as contas.

Apesar da melhoria da situação do banco - que no primeiro trimestre do ano registou lucros acima de 70 milhões de euros -, Bracinha Vieira considera que o banco possa ter necessidade de fazer uma nova chamada de capital. “Pode haver uma ligeira insuficiência de capital mesmo com um lucro em 2021”, afirmou. Em resposta ao deputado do PSD Alberto Fonseca, o presidente da comissão de acompanhamento admitiu que em 2021 possa resultar “com base nas previsões das contas dos bancos” e admitindo que o Fundo de Resolução ganha os dois processos que tem em tribunal “poderá haver a necessidade de uma call na ordem dos 100 milhões de euros”, o que confirma assim a previsão avançada no Parlamento pelo presidente-executivo (CEO) do Novo Banco, António Ramalho

No entanto, admitiu que houve operações que levaram dúvidas. “Há casos em que por vezes dizemos que a imparidade constituída pode ser excessiva”. “Assistimos por vezes com alguma preocupação, para não dizer outro termo mais forte, à constituição de imparidades”, disse, acrescentando, porém, que são casos “excepcionais”. 

E o que pode fazer a comissão de acompanhamento quando tem dúvidas sobre operações do Novo Banco? O presidente da comissão de acompanhamento relatou aos deputados algumas das limitações do órgão a que preside, depois de concordar com a expressão usada pela deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua que classificou este órgão como “os olhos e os ouvidos do Fundo de Resolução” nas decisões do Novo Banco. “A expressão que usou é uma expressão que eu próprio tenho utilizado”, já que a comissão de acompanhamento é “o único veículo que permite ao Fundo de Resolução assistir a decisões importantes de três órgãos do banco”, explicou.

No conselho geral de supervisão do Novo Banco “estamos como observadores”, estando ainda no conselho financeiro de crédito, que trata de assuntos CCA e que se reúne à sexta-feira de manhã, e no comité alargado de imparidades onde se discutem as grandes imparidades do banco. “Assistimos a tudo isto, temos a documentação. A documentação normalmente chega muito sobre a hora”, disse, acrescentando que por vezes a documentação chega “na véspera” das reuniões. Os membros da comissão de acompanhamento “lêem essa documentação, por vezes trocamos impressões nessa mesma noite” que precede a reunião dos órgãos. “Intervimos pouco mas intervimos quase sempre nesses órgãos para dar as nossas opiniões”, adiantou. É neste momento que os membros tiram dúvidas sobre imparidades ou créditos que por vezes levam a pareceres futuros. 

No entanto, a presença nestes órgãos só acontece apenas para activos CCA, ou seja, não para a restante actividade do banco, apesar de Bracinha Vieira ter admitido que as chamadas de capital feitas pelo Novo Banco ao Fundo de Resolução são determinadas pelos requisitos de capital e não pelas perdas em activos CCA, de acordo com as regras que ficaram incluídas no contrato. Além disso, admitiu que embora participe no conselho de supervisão não teve, por exemplo, de “tomar conhecimento” do investimento em dívida soberana feito pelo banco, em resposta à deputada bloquista. E revelou uma “reunião um bocado dramática” em “Outubro ou Novembro de 2019”, quando foram anunciados agravamentos de imparidades impostos pelo Banco Central Europeu (BCE). “Foi uma reunião um bocado dura em termos de notícias que tivemos”, revelou, acrescentando que fizeram uma análise “dura”. 

“Embora de forma limitada nós controlamos os activos CCA e mesmo para além dos activos CCA, por vezes, damos opiniões”, disse ao Bracinha. “Se houvesse um acto abusivo por parte do Novo Banco mesmo que não fosse sobre os activos CCA isso poderia dar origem a uma quebra contratual, uma ruptura de contrato”, assegurou em resposta ao deputado comunista Duarte Alves, a quem garantiu que o Fundo de Resolução faz um “escrutínio muito forte” das operações. 

Ainda assim, o presidente da comissão de acompanhamento falou de outra das limitações e que se relaciona com uma “decisão tomada no início - e se calhar errada - a de não termos nenhum apoio a não ser o apoio directo dos serviços do banco. E, portanto, os pareceres foram feitos por três pessoas, depois duas, entre Maio de 2019 e Dezembro de 2020, e agora com a recomposição o órgão está a funcionar com três pessoas”, admitindo que serão pedidos mais membros para reforçar a comissão.

O presidente da comissão de acompanhamento explicou que sempre que existiam dúvidas “recorríamos a perguntas aos serviços do banco mais directamente ligados a estes activos”. Bracinha Vieira destacou os “altos níveis de competência” dos serviços do Novo Banco. E admitiu uma “lacuna” que considera ser da responsabilidade da comissão de acompanhamento. Quando é tomada uma decisão sobre uma operação, ela passa pelas reuniões, depois surge o “pedido de parecer” à comissão, “fazemos o parecer”, “damos parecer positivo” porque em princípio não é detectado problema. “A operação vai ao Fundo de Resolução e o Fundo apoia a decisão e depois não sabemos mais nada sobre este assunto. Muitas vezes só voltamos a saber mais ao fim de meses. Muitas vezes sabemos que a operação acabou por não se concluir”, contou. “Há responsabilidade da comissão de acompanhamento em não seguir as decisões tomadas pelo Fundo de Resolução”, disse. “Temos um mapa” que resume as decisões, mas “isto não chega”. “Temos de corrigir” isto, defendeu.  

No entanto, Mariana Mortágua assinalou o facto de a comissão só ter três pessoas e depender das informações do banco. “Qual a capacidade da comissão de acompanhamento?”, perguntou. Bracinha Vieira disse confiar nas informações do banco, mas falou das limitações no que toca a meios próprios. Ainda assim defendeu que “podemos confiar bastante no departamento de compliance do Novo Banco”. Já no que se refere à despreocupação de alguns grandes devedores, “aí acho que talvez se pudesse fazer mais”. No entanto, admitiu que o custo de contratar um advogado face ao custo de recuperação pode ser elevado. “Aí temos de trabalhar com os dados existentes”, defendeu.

Ainda assim, admitiu que o Novo Banco teve de gerir “falta de tempo” e a necessidade de reduzir rapidamente os créditos malparados - “daí o recurso às operações de venda de carteiras”. Neste ponto, Bracinha Vieira criticou o facto de em Portugal não existir informação sobre se a venda em carteira é feita a preço de mercado, referindo que em Itália existem esses benchmarks e que em Portugal esta função podia ser desempenhada pelo Banco de Portugal ou pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). 

Apesar das limitações que foi admitindo, recusou que a comissão seja incapaz de fazer uma avaliação do património dos devedores ou de questionar a decisão do Novo Banco quando este diz que não existem partes relacionadas. “A comissão toma como boas estas informações que vêm do Novo Banco?”, perguntou a deputada Mariana Mortágua. “Não é de facto assim”, garantiu, afirmando que sempre que há um património a ser desvalorizado são colocadas questões ao banco. “Por aí fazemos as perguntas todas e as respostas têm sido tecnicamente bem alicerçadas e convincentes”, assegurou, assinalando também a transparência nestes processos.

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