Portugal Novo: Uma luz ao fundo do bairro

O Bairro do Portugal Novo não mete medo. Antes dá, ou deveria dar, a vergonha de não se ter garantido, em tempo útil, a dignidade dos seus moradores. Agora, mãos à obra, que o tempo urge e temos com os seus moradores a dívida de não voltar a perder o foco nos dificílimos anos de decisões e trabalho que se aproximam.

Dia 13 de Maio foi um dia muito importante, mas não me estou a referir ao milagre religioso na Cova da Iria. O milagre tem mão terrena e aconteceu, nada mais nada menos, que na reunião do Conselho de Ministros desse dia de 2021, cuja Resolução versa: “(…) garantir, através da articulação entre a Administração Central e as câmaras municipais de Lisboa e Setúbal, a regularização da grave situação de degradação social e urbanística existente nos locais de implantação das construções promovidas pelas antigas cooperativas do (…) Portugal Novo (…). Cumpre responder a um problema de décadas, regularizando o processo de licenciamento e correspondente registo de propriedade e, com isso, salvaguardando efetivas condições de habitabilidade, sem ónus sobre os futuros proprietários.”

Um milagre com barbas, por certo, já que desde os anos 80 do séc. XX que os moradores do Bairro Portugal Novo aguardavam este dia. Alguns são os mesmos residentes desse tempo, compraram casas que nunca chegariam a ser suas, pagaram prestação e continuaram a pagar mesmo quando os responsáveis da cooperativa construtora deixaram de cumprir as suas obrigações. Outros são familiares, “herdaram” dos pais ou avós as casas, ali constituíram família. Outros, ainda, foram chegando, arrendando ou comprando sem documentos ou ocupando casas desabitadas. As mais de quatro décadas que permeiam a derrocada financeira da cooperativa Portugal Novo e o dia 13 de Maio de 2021 permitiram a degradação não só do edificado e das estruturas de habitabilidade de cerca de 300 fogos, mas também dos espaços comuns deixados ao abandono por todas as entidades responsáveis. Ninguém asfalta, ninguém cuida dos passeios, não existem zonas comunitárias partilhadas, não há um parque infantil para as crianças, não existem espaços verdes.

E isto tudo onde? Numa área periférica de uma grande cidade, dirá o leitor que não ouviu falar do bairro. Não. Fica no centro de Lisboa. Numa das freguesias mais belas da capital, de ruas largas, de comércio de qualidade, equilibrada entre o pujante S. João de Deus e o tradicional Alto do Pina, com uma população residente de classe média e média alta, fronteiras nas Olaias, Campo Pequeno e Alameda.

O Bairro Portugal Novo fica aqui, escondido entre as Olaias e os Serviços Sociais da Câmara Municipal de Lisboa. Longe da vista de quem vive ou cruza o Areeiro, e por isso também longe do coração.

Em 2017, quando fui candidata à Junta de Freguesia do Areeiro, levava no programa o Portugal Novo. Preocupava-me, desde há muito, que ninguém que eu conhecia soubesse nada do bairro, mesmo quem morava no Areeiro. Percebi, em campanha eleitoral, que falar do bairro era tabu. Fiquei chocada quando uma “proeminente figura” do Areeiro, com quem troquei impressões sobre a freguesia e a forma como era gerida, respondendo à minha pergunta de como via o problema do bairro, me respondeu que nunca lá tinha entrado por medo.

O Bairro do Portugal Novo não mete medo, ainda que já tenha sido, como tantos outros locais, palco de crimes e ilegalidades. Ainda assim não mete medo. Antes dá, ou deveria dar, a vergonha de não se ter garantido, em tempo útil, a dignidade dos seus moradores. Antes de se ter transformado em (expressão que mais ouvi, desde 2017) “terra de ninguém”. Num país de primeiro mundo não há terras de ninguém onde moram pessoas e famílias, se não é de ninguém é comunitária. E, se é comunitária, é da obrigação de todos. O Portugal Novo é “de ninguém” porque se passaram quatro décadas a empurrar culpas e soluções, do Estado Central para a câmara municipal, da câmara municipal para os moradores e para a cooperativa, desfeita, até ao descalabro total.

Em 2018, na Assembleia de Freguesia do Areeiro foi constituída, por iniciativa dos eleitos do LIVRE e do PS, uma Comissão Permanente dedicada ao Portugal Novo. Sabíamos que não tínhamos poder executivo, mas sabíamos que tínhamos a obrigação de pressionar, de chatear, de perguntar. Direi eu, porque tenho noção de escala, que esta comissão não foi determinante no desfecho, ainda que tenha questionado o executivo da junta de freguesia, reunido com moradores do bairro, pedido reuniões ao IRHU (nunca respondidas) ou à vereação da habitação da Câmara Municipal de Lisboa, que só em Abril deste ano reuniu com a Comissão pela primeira vez, feito uma recomendação e uma moção sobre o bairro. Mas honra ter sido mais uma pedra no sapato de quem decide, não deixando esquecer.

Agora, mãos à obra, que o tempo urge e com os moradores do Portugal Novo que, apesar de tudo, é ali que reconhecem a “sua casa”, temos a dívida de não voltar a perder o foco nos dificílimos anos de decisões e trabalho que se aproximam. Aos próximos eleitos do Areeiro deixo o repto, continuem o que foi iniciado neste mandato, sejam a pedra no sapato, os chatos de serviço, mas não deixem que mais 40 anos se passem sem mudar a vida daqueles vizinhos. Mudar para melhor a vida deles é melhorar a vida de todos, garantidamente.

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