Apoiar a Ucrânia com a verdade

Como portugueses, só ganhamos em conhecer melhor a Ucrânia e em apoiar esse Estado amigo e soberano na defesa do cumprimento do direito internacional.

Na passada quarta-feira, dia 26 de maio, a Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas da Assembleia da República debateu os acontecimentos amplamente noticiados nos últimos meses e que ameaçaram a estabilidade, a paz e segurança internacionais nesta região.

Na base deste breve debate, estavam dois votos sobre a situação em torno da Ucrânia em apreciação, debate e votação, apresentados em moldes totalmente antagónicos: um apresentado pelo PS, outro pelo PCP. Cada qual fruto de uma mundividência distinta.

Aquele que foi apresentado pelo PS, e que contou com o apoio do PSD na sua aprovação, expressava a preocupação sobre a situação internacional de insegurança junto às fronteiras leste da Ucrânia, derivada de uma escalada militarista na região — representada por dezenas de milhares de membros das Forças Armadas da Federação Russa e seus potenciais aliados, assim como meios bélicos terrestres, navais e aéreos muito significativos colocados em exercícios nas faixas fronteiriças e também no Mar de Azov. Esta realidade não pode ser distorcida, reflete o que se passou nos últimos meses e foi amplamente divulgada na comunicação social internacional e nacional, sendo acompanhada com preocupação e condenada por atores e entidades institucionais que não ficaram indiferentes aos riscos que esta escalada belicista poderia representar para a região e em particular como ameaça direta à integridade territorial ucraniana. Desde a União Europeia, a diversos Estados per si, até à NATO, organizações não governamentais e também parte significativa da opinião pública mundial, foram capazes de mostrar firme solidariedade com a Ucrânia e apelar ao desanuviamento da tensão militar nesta relevante região da Europa. Uma região geograficamente afastada de Portugal, mas afetivamente muito próxima, tendo em conta a forte e relevante comunidade ucraniana residente em Portugal.

Mas tivemos também sob apreciação um segundo voto, apresentado pelo PCP e que foi rejeitado pela Assembleia da República, de “solidariedade para com o povo ucraniano face à escala agressiva do regime de Kiev”, cujo título representava só por si um contra senso, no sentido em que propõe que existe um Governo e um poder instalado em Kiev de forma ilegítima ou usurpatória que oprimiria o seu próprio povo, quando é óbvio que existe desde a revolução ucraniana de 2014, uma democracia funcional na Ucrânia, que decerto, como todas as democracias, enfrentará as suas dificuldades e problemas mas é tudo menos ilegítima, antipopular ou “antidemocrática” tal como foi defendido no texto proposto pelo PCP.

Mais ainda, o PCP propunha a interpretação de que a Ucrânia é dominada ou fortemente influenciada por “grupos fascistas” a expressão é citada do voto do PCP isto quando o Partido maioritário no Governo e no Parlamento Ucraniano Servos do Povo”, e que tem aliás maioria absoluta neste órgão representativo, é uma força política ideologicamente situada entre o centro-esquerda e o centro-direita, comprometido com uma visão pró-europeia para o futuro do seu povo e do seu território, aspirando a um desenvolvimento humano e material melhor e mais prospero para a Ucrânia sob o modelo de um regime democrático de tipo ocidental, afastado sim da influência e ingerência de Estados vizinhos na política interna ucraniana e comprometido com todo um esforço de resistência face à ameaça externa, nomeadamente a motivada pela Federação Russa.

Na sua proposta de voto, rejeitado em votação na comissão parlamentar, o PCP afirmava também que grupos fascistas e mesmo neonazis na Ucrânia gozam de total impunidade, o que não se afigura verdadeiro e constitui uma ideia perniciosa. Os fenómenos de extrema-direita existem em diversos países europeus e globais e, não devendo ser normalizados e aceites na nossa mentalidade, podem aproveitar-se das ameaças externas para exacerbar nacionalismos e conquistar adeptos. Mas, em bom rigor, como espelha a representatividade política no Parlamento ucraniano, a esmagadora maioria da população é alheia a esses fenómenos e abordagens extremistas, optando livremente por opções e caminhos democráticos ideologicamente moderados e humanistas.

Corroborando as nossas considerações, é factual verificar que no passado dia 29 de abril foi aprovado, por maioria expressiva, um voto de condenação no parlamento ucraniano face à manifestação de elementos neonazis referida no voto do PCP, tendo sido condenada essa demonstração política e simultaneamente expressa uma profunda indignação quanto à autorização para a realização da mesma. Nos dias seguintes, o Ministério do Interior da Ucrânia, requereu ao Chefe da Representação do Estado Central em Kiev que abrisse um inquérito ao processo de autorização de realização de manifestações na capital justamente colocando em causa esta marcha de elementos neonazis e de extrema-direita e solicitando a atuação das autoridades policiais face a elementos e grupos neonazis, visto que toda a propaganda favorável a regimes totalitários é considerada crime no território da Ucrânia.

Ao contrário do tem sido referido por alguns setores políticos em Portugal, o Governo da Ucrânia não é uma espécie de “aliado” de forças fascistas, neonazis ou de extrema-direita o que aliás insultaria a memória histórica de um povo que combateu o nacional-socialismo e os fascismos, com pesados sacrifícios, na Segunda Guerra Mundial. A Ucrânia deseja viver em paz e essa é a sua maior aspiração, algo que nós, em Portugal e tantos outros países do mundo, podemos dar como garantido, pois não sofremos pressões e ataques militares ou armados dentro e em redor das nossas fronteiras terrestres e marítimas. A Ucrânia é um Estado democrático, liderado por um Presidente, Governo e Parlamento imbuídos de toda a legitimidade eleitoral e democrática, que procura aperfeiçoar o funcionamento da sua democracia, preparando e conduzindo para isso um conjunto relevante de reformas, tendo ainda a preocupação constante de se defender com o direito internacional do seu lado face à ocupação e anexação ilegal armada do território da Crimeia, triste acontecimento que conta já com sete anos volvidos, e de dar combate à violação de direitos humanos, às agressões à integridade territorial do seu Estado e às atrocidades sistemáticas cometidas contra minorias étnico-religiosas, nomeadamente as perpetradas por forças e milícias separatistas pró-russas na região do Donbass, sublevadas e organizadas em autoproclamadas repúblicas, que não são mais do que satélites de interesses expansionistas russófonos.

Esta breve reflexão, procura desmistificar ideias falsas mas essencialmente apontar as verdadeiras: como portugueses, só ganhamos em conhecer melhor a Ucrânia e em apoiar esse Estado amigo e soberano na defesa do cumprimento do direito internacional, na salvaguarda da sua soberania, identidade, História e principalmente, do seu futuro.

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