A loja autónoma e a Segurança Social estagnada

A necessidade de garantirmos contribuições sociais com base na produtividade resultante da automação é um tema demasiado urgente. A automação é uma realidade em muitas indústrias e já é responsável pela destruição de milhões de empregos em todo o mundo.

A propósito da inauguração de um novo conceito de loja de conveniência torna-se oportuno discutirmos algumas matérias. Desde logo, louvar a inovação e a ciência feitas em Portugal e a tomada de risco de um operador estabelecido.

Mas comecemos pelo início. Uma equipa de cientistas e empreendedores portugueses propuseram-se fazer tão bem ou melhor que os seu colegas que desenvolveram o conceito e a tecnologia que estão na base das lojas Amazon Go, rede com cerca de 25 lojas atualmente nos Estados Unidos e no Reino Unido. Estas lojas são em tudo idênticas às que conhecemos, com o pequeno detalhe que não terem caixas para pagamento nem filas e serem operáveis com um número muito reduzido de funcionários. Um distribuidor nacional aceitou o desafio e montou uma loja modelo (ou laboratorial), aberta ao público em zona nobre da cidade de Lisboa para testar conceito e a tecnologia. O salto tecnológico é da responsabilidade da empresa Sensei.

É indubitavelmente uma história bonita, que envolve o melhor da ciência portuguesa (o Instituto Superior Técnico), o melhor das empresas portuguesas (Grupo Sonae) e o melhor mercado para teste de produtos e serviços (os clientes portugueses que adoram ser early adopters). Chegar até aqui foi possível porque investidores acreditaram no projeto e alavancaram a sua crença em apoios públicos diversos, destacando-se nesta fase final o fundo 200M gerido pelo Banco de Fomento.

Temos, portanto, uma confluência de vontades e competências que, em potência, nos irão permitir ter experiências de consumo mais agradáveis, fáceis e comodas. Pois bem, se esta loja é uma alegria e um orgulho, 20 lojas destas serão um sucesso e 100 lojas um grande problema para resolvermos.

Vejamos outras dimensões da questão, à medida que aplicamos soluções tecnológicas para substituir “tarefas humanas” estamos a fazer duas coisas: 1) a tornar os processos mais eficientes e 2) a criar a oportunidade para afetar trabalho humano a tarefas que tirem partido da sua imensa capacidade cognitiva e intelectual. Para completar este círculo virtuoso precisamos de mais um fator 3) “estas máquinas” tem de descontar para a Segurança Social, e quem sabe pagar IRS.

A necessidade de garantirmos contribuições sociais com base na produtividade resultante da automação é um tema demasiado urgente, que na realidade não depende da abertura das tais 100 lojas. A automação é uma realidade em muitas indústrias e já é responsável pela destruição de milhões de empregos em todo o mundo. Torna-se assim evidente que, à falta de melhor liderança, devemos aceitar a responsabilidade do momento, em que o fenómeno penetra no nosso dia-a-dia e se torna demasiado evidente, para darmos um passo em frente e exigirmos soluções.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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