Autarca de Arganil revoltado com recuo no desconfinamento: Portugal “não é um rectângulo homogéneo”

Para o presidente da câmara, deveria ser considerada a inclusão na matriz de risco de um parâmetro que tenha em conta o número de infecções por quilómetro quadrado para que os resultados fossem mais justos.

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Daniel Rocha

A possibilidade de alterar a matriz de risco, que conjugando a incidência e o índice de transmissibilidade — ​R(t) — dita o avanço do desconfinamento em Portugal, foi afastada pelo grupo de peritos que se reuniu esta sexta-feira no Infarmed. Os especialistas propuseram que se mantenha a fórmula actual uma vez que “a incidência é o indicador mais sensível que permite uma resposta mais atempada”, disse Andreia Leite, da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa. O autarca de Arganil sente, contudo, que aquele concelho foi prejudicado pelo método de cálculo actual, que, diz, prejudica concelhos com menor população.

Ao PÚBLICO, o presidente da Câmara de Arganil (Coimbra), Luís Paulo Costa, refere que “quando os senhores peritos e o Governo olham para esta realidade [pandémica] não podem ignorar que o país não é só uma fórmula matemática, nem é um rectângulo homogéneo”.

Luís Paulo Costa diz que Arganil, com cerca de 11.000 habitantes, foi fortemente castigado há uma semana quando não avançou no processo de desconfinamento, castigo intensificado esta semana com o recuo para a fase de 5 de Abril. Para o autarca, deveria ser considerada a inclusão na matriz de risco de um parâmetro que tenha em conta o número de infecções por quilómetro quadrado para que os resultados fossem mais justos. 

“A aplicação da regra do Governo ao concelho de Arganil implica que ultrapassamos a linha vermelha [240 casos por 100 mil habitantes] quando temos mais de 26 casos. A mesma regra aplicada em Lisboa significa que Lisboa só ultrapassa a linha vermelha quando tem mais de 1222 casos”, exemplifica Luís Paulo Costa. O concelho registava na quinta-feira 15 infecções activas, contudo a incidência nos últimos 14 dias fixava-se nos 33 casos 100.000 habitantes. “Ironia do destino: o dia em que nos fizeram regredir no desconfinamento foi o dia em que saímos do nível de risco elevado para risco moderado e também sem novos casos”, lamenta ainda.

O autarca ressalva ainda que o fluxo diário de pessoas entre concelhos e circulação em transportes públicos em Lisboa é um factor de risco mais elevado, que não se regista em Arganil cuja área (332,8 quilómetros quadrados) é três vezes superior à de Lisboa (100,05). “Não consigo perceber como é que alguém consegue defender que este risco é equivalente, não faz sentido. Há uma regra que é cega e que objectivamente está mal elaborada”, justifica. 

O caso de Arganil não é único no país e a opinião de Luís Paulo Costa e tem vindo a ser partilhada por outros autarcas de concelhos que já ultrapassaram os limites de incidência da covid-19. Por exemplo, em Abril, o presidente da Câmara de Moura caracterizava como “revoltante” a matriz imposta pelo Governo. À data, Álvaro Azedo falava em evidentes sinais de “cansaço e saturação” na população, dizendo que “pensar que Moura é igual a Lisboa ou Porto é revoltante”. 

No mesmo mês, o presidente de Carregal do Sal pedia “condescendência” ao Governo no cálculo dos concelhos com mais casos. Já em Ribeira de Pena, o autarca explicava que “num concelho com sete mil habitantes – destes, 6016 estão inscritos no centro de saúde –, quatro casos [activos] é um número irrisório”, lamentando que “as contas que se fazem muitas vezes possam não ser justas”.

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