Serviço Nacional de Saúde acaba 2020 com saldo negativo de quase 300 milhões de euros

A despesa com pessoal aumentou 6,1% em 2020, atingindo cerca de 4.680 milhões de euros. E assistiu-se a uma quebra acentuada de consultas presenciais e de cirurgias no ano da pandemia.

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Filipa Fernandez

No ano de 2020 o Serviço Nacional de Saúde (SNS) registou um saldo orçamental negativo de 292 milhões de euros (ME) - estava previsto um saldo nulo - com um défice acumulado entre 2014 e 2020 de 2.865 milhões de euros, tendo a despesa do SNS representado 5,66% do Produto Interno Bruto (PIB), revelou o Conselho de Finanças Públicas (CFP). A taxa de crescimento da despesa do SNS atingiu em 2020 os 6,8%, o máximo do período, sendo que a despesa corrente subiu 5,9% para um total de 11.191 ME.

O ritmo de crescimento da despesa coloca desafios de sustentabilidade financeira que importa ponderar no quadro da política orçamental e da gestão eficiente dos recursos financeiros alocados ao SNS”, lê-se na nota que acompanha a divulgação do relatório, sustentando este diagnóstico nos défices do SNS, com enfoque na dívida a fornecedores externos, que chegava aos 1.516 ME no final de 2020, apesar das diversas injecções de capital ao longo dos anos e que ascenderam a 2.889 ME.

De acordo com o organismo, os desvios negativos -- numa média de 5,4% superior à que estava prevista para este período - são a consequência da suborçamentação da despesa, traduzindo “dificuldades crónicas no planeamento dos recursos financeiros necessários para o SNS e/ou na implementação das políticas que visam a realização da receita e a contenção da despesa”.

Numa visão mais detalhada da despesa corrente, o CFP adianta que cerca de 99% concentram-se nos gastos com pessoal (41,8%), fornecimentos e serviços externos (36,9%) e inventários (20%), com estas três rubricas a criarem maior pressão sobre o SNS e que “tenderá a ser agravada pelos efeitos da pandemia e pela recuperação da actividade assistencial” no futuro.

“A prevalência destes défices orçamentais e de dívida estrutural - fruto do ritmo de crescimento da despesa corrente - indicia que o SNS necessitará de fundos adicionais para efeitos de satisfação das necessidades de saúde da população”, refere ainda o relatório, avisando para a sua ponderação “no quadro da definição futura das políticas de saúde e das reformas (ainda por concretizar) no plano da gestão orçamental e financeira das entidades que fazem parte do SNS”.

Mais 9 mil profissionais de saúde

A despesa com pessoal no Serviço Nacional de Saúde (SNS) aumentou 6,1% em 2020, atingindo cerca de 4.680 milhões de euros.

O documento esta quinta-feira divulgado pelo organismo independente encarregado de avaliar o cumprimento e a sustentabilidade da política orçamental analisou não só o último ano, mas o período entre 2014 e 2020, concluindo que os gastos com os trabalhadores do SNS registaram um aumento de 35,1% durante este tempo.

Destacando que o “SNS representa cerca de 20% do emprego das administrações públicas (718.823 postos de trabalho)” e que é o segundo maior empregador público, apenas atrás do Ministério da Educação, o relatório aponta igualmente o “aumento significativo do número de profissionais” para um total de 142.103 em 2020, ou seja, mais 9.078 do que no ano anterior (+6,8%) e mais 27.568 em relação a 2014 (+24,1%).

Entre os diferentes grupos profissionais do SNS, os enfermeiros são o grupo mais numeroso, com 48.432 trabalhadores, o que equivale a 34% deste universo, à frente dos 30.119 assistentes operacionais (21%), dos 29.514 médicos (21%) e dos 17.159 assistentes técnicos.

Este aumento do número de trabalhadores do SNS foi uma das consequências da pandemia de covid-19 no último ano, já que, segundo realçou o CFP, “a crise pandémica veio revelar, logo numa primeira fase, e entre outras insuficiências, a limitação de profissionais de saúde em algumas áreas”, como a saúde pública ou a medicina intensiva.

Contudo, o documento sublinhou diversos riscos na recuperação da actividade assistencial que foi afectada pela estruturação da resposta à covid-19.

“A recuperação da actividade assistencial hospitalar deverá reflectir-se, nos próximos anos, no aumento de: pedidos de consulta hospitalar; meios complementares de diagnóstico e terapêutica; entradas em Lista de Inscritos para Cirurgia; episódios de urgências; internamentos. Este movimento provocará maior pressão assistencial e financeira sobre os hospitais do SNS”, pode ler-se no relatório.

À pressão suscitada pela infecção provocada pelo vírus SARS-CoV-2, o CFP lembrou ainda o peso do “envelhecimento da população e da inovação tecnológica” no agravamento dos riscos de um ponto de vista orçamental e deixou um apelo a uma execução bem sucedida das verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

“Esta realidade torna mais premente a rentabilização dos fundos provenientes do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que têm uma duração limitada no tempo, e exige que seja assegurada a previsibilidade e a sustentabilidade futura do financiamento público em saúde, num volume que permita responder às crescentes necessidades em saúde”.

Em sentido inverso aos gastos com pessoal, sobressaiu uma ligeira quebra na despesa com fornecimentos e serviços externos (FSE), que caiu 0,3% no último ano, naquela que é a segunda componente mais representativa da despesa corrente do SNS em 2020: 4.126 ME num total de 11.191 ME.

Quebra significativa nas consultas e cirurgias

A pandemia de covid-19 teve um forte impacto negativo na actividade assistencial: quebra de consultas, cirurgias, episódios de urgência, rastreios e acompanhamento de doentes crónicos.

O CFP salientou que os médicos de família efectuaram em 2020 14 milhões de consultas presenciais, ou seja, uma quebra de 8,3 milhões e de 37,1% face a 2019, algo que se estendeu também às consultas de enfermagem, com cerca de 16,5 milhões e uma redução de 2,8 milhões e 14,4% em relação ao ano anterior, e às consultas de outros técnicos de saúde, que não foram além das 540 mil, isto é, menos 124 mil e uma queda de 18,8%.

Ainda nos cuidados de saúde primários foi registado um aumento de aproximadamente 105 mil (14,4%) no número de utentes sem médico de família no final do último ano, para um total de 835.658. “Cerca de 65% dos utentes sem médico de família estavam inscritos na região de Lisboa e Vale do Tejo (542.668), seguindo-se 13,9% na Administração Regional de Saúde do Norte (113.304 utentes) e 9,2% na região Centro (77.211 utentes)”, nota o relatório.

Este desempenho “reflectiu-se negativamente” ao nível dos rastreios e programas de diagnóstico precoce na área oncológica em 2020, nomeadamente no cancro colorrectal (-4,0 pontos percentuais do que 2019), no cancro da mama (-10,7 p.p.) e no cancro do colo do útero (-5,2 p.p.).

O acompanhamento dos doentes crónicos foi igualmente prejudicado pela situação pandémica, sobretudo na “diabetes (47,4% dos diabéticos com parâmetros controlados, ou seja, -14,1 p.p. que em 2019), hipertensão (34,3% com parâmetros controlados, -19,1 p.p.) e as doenças respiratórias (44,3% dos utentes com doença pulmonar obstrutiva crónica com exame de controlo, -5,1 p.p)”.

Como nota positiva neste segmento, o CFP salientou o crescimento significativo da consulta médica não presencial, que registou mais 9,3 milhões de consultas realizadas no ano transacto face a 2019.

Já ao nível da assistência hospitalar, foram realizadas cerca de 11,2 milhões de consultas nos hospitais do SNS em 2020, o que expressa uma redução de 1,2 milhões face a 2019 (-10,2%). Quanto a cirurgias, houve menos 151 mil novos utentes inscritos que em 2019, ou seja, uma diminuição de 20,9%, e menos 126 mil intervenções cirúrgicas efectuadas, com maior incidência na actividade programada (-19,1%) do que nas cirurgias urgentes (-10,8%).

Em 2020, fruto das restrições impostas pela covid-19, as urgências dos hospitais do SNS acabaram por registar somente 4,5 milhões de episódios, isto é, menos 1,9 milhões (29,1%) do que em 2019. Paralelamente, o número de doentes saídos do internamento no último ano atingiu os 676 mil, o que significou menos 112 mil que em 2019 e uma quebra de 14,2%.

Por fim, o CFP defendeu que é necessário alargar a cobertura da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) a nível nacional, “não só no internamento (onde permanecem importantes assimetrias regionais), mas essencialmente nas respostas domiciliárias e em ambulatório”, realçando que “Portugal é o país da União Europeia com menor cobertura de cuidados continuados para a população dependente”.

A este nível existiam 15.374 lugares na RNCCI (+541 que em 2019), distribuídos entre 9.737 camas de internamento (+555) e 5.637 lugares (-14) em Equipas de Cuidados Continuados Integrados (ECCI). Porém, a actividade assistencial teve uma redução em 2020, com a referenciação de 38.586 utentes durante o ano (menos 5.164 que em 2019, ou seja, -12%) e assistência a 45.959 (menos 4.514 e uma queda de 9%).

Em Portugal, morreram 17.022 pessoas dos 847.006 casos de infecção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.

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