Seis meses depois de afastado, médico que alertou para homicídio de Ihor volta às autópsias

Segundo o Instituto de Medicina Legal, Carlos Durão tinha sido afastado por causa de uma publicação. Médico comenta sobre hipótese do seu afastamento ser motivado por alegadas pressões: “Quero acreditar que não”.

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Quase seis meses depois de estar afastado da medicina legal, Carlos Durão, o médico que alertou a Polícia Judiciária (PJ) para o facto de a morte de Ihor Homenyuk se tratar de um homicídio, vai voltar a fazer autópsias.

Carlos Durão foi notificado na terça-feira da sua colocação no gabinete de Torres Vedras, onde exercia funções anteriormente. Os resultados do concurso que saíram em Fevereiro tiveram várias reclamações que foram analisadas pelo júri e só a 26 de Maio é que foi aprovada a lista provisória de colocações, que notificou aos candidatos e publicitou na página electrónica do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF), disse o Ministério da Justiça ao PÚBLICO.

“Estou feliz com o retorno”, comentou Carlos Durão ao PÚBLICO, que desde Novembro não está a fazer autópsias, o que diz ser a sua paixão. O médico, que não se quis adiantar nas respostas, comentou sobre a hipótese de o seu afastamento estar ligado a pressões por causa da sinalização que fez do homicídio de Ihor Homenyuk: “Quero acreditar que não”. 

A morte de Ihor Homenyuk, provocada pelas agressões de três inspectores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), condenados em tribunal, chegou ao INMLCF sinalizada pelo SEF como natural, mas Carlos Durão notou que as marcas de agressão do seu corpo tinham sinais de homicídio e decidiu alertar a PJ.

Médico no INMLCF desde 2007, Carlos Durão tinha um contrato de prestação de serviços para o exercício de funções com o INMLCF e foi afastado a 26 de Novembro antes do final do seu contrato por ter publicado um “artigo científico com fotografias de um corpo de um cadáver autopsiado no INMLCF, incluindo fotografias da sua face, em clara violação do estabelecido no Regulamento Interno do Instituto”, disse em Dezembro o instituto. O  INMLCF respondia a alegadas pressões sobre o médico por causa do relatório de autópsia a Ihor, que rejeitou. O médico pôde voltar a concorrer ao lugar no IMLCF e, questionado sobre a publicação, disse: “Penso que essa questão já está ultrapassada”. 

Em julgamento, a defesa dos inspectores condenados Luís Silva, Bruno Sousa e Duarte Laja tentou pôr em causa a autópsia e as competências profissionais de Carlos Durão. Ao tribunal o instituto disse que “reconhece competências” ao médico “na área da Patologia Forense em que realizou mais de 1100 autópsias”, tendo “uma longa e consistente experiência em autópsias médico-legais, realizando perícias com grande empenho, dedicação e profissionalismo”.  

Os advogados dos inspectores chegaram a juntar ao processo um relatório de outros peritos a questionar as conclusões de Carlos Durão, mas o tribunal não reconheceu qualquer deficiência no procedimento que foi elaborado por este médico. 

À espera de reconhecimento de especialidade

Carlos Durão tem o título de especialidade de medicina legal no Brasil só que não foi reconhecida em Portugal. Formou-se em Medicina pela Faculdade Souza Marques (2002), do Rio de Janeiro, e tem duas pós-graduações tiradas em Portugal, em Antropologia Forense e em Avaliação do Dano Corporal (pela Universidade de Coimbra e pela do Porto, respectivamente). É especialista em ortopedia no Hospital de Vila Franca de Xira e segundo o seu currículo tem experiência em hospitais militares como perito forense. 

Quando fez o depoimento em tribunal sobre o homicídio em início de Março, disse que não teve dúvidas de que o corpo de Ihor Homenyuk tinha marcas de etiologia homicida. Escreveu, aliás, no relatório, que o cadáver tinha marcas contundentes, “susceptíveis de terem sido efectuadas com um bastão ou um cassetete e a presença da equimose modelada com a forma de uma bota, que denuncia um provável pontapé”. Acrescentou: “Compreendi desde o início que algo se passava.”  

Na autópsia, Carlos Durão referiu que a morte se deveu a asfixia mecânica por constrição do tórax (sufocação indirecta/asfixia posicional), associada a lesões traumáticas do tórax (fracturas de múltiplos arcos costais. O médico disse ainda que se tivesse sido assistido, Ihor Homenyuk poderia ter sobrevivido.

Os inspectores foram condenados a nove anos e sete anos de prisão pelo crime, em co-autoria, de ofensa a integridade física grave qualificada, agravada pelo resultado, a 10 de Maio. O juiz mandou ainda extrair certidão para investigação de seguranças, inspectores, chefes e coordenadores que nada fizeram para o auxiliar e este processo ainda está em investigação.

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