Extinção do SEF não pode servir para “salvar a cabeça” de Eduardo Cabrita, diz sindicato

Em conferência “A importância do SEF no Sistema de Segurança Interna”, ex-ministro Rui Pereira considerou que se diploma não for aprovado por Parlamento é inconstitucional. Júlio Pereira, ex-director nacional do SEF, criticou Governo.

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LUSA/ANTONIO PEDRO SANTOS

O presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF disse esta quinta-feira que a “extinção” daquele organismo não deve ser utilizada para “salvar a cabeça” do ministro da Administração Interna, após a morte do ucraniano Ihor Homenyuk a 12 de Março de 2020 no centro de instalação temporária do aeroporto de Lisboa.

Acácio Pereira falava na sessão de abertura da conferência “A importância do SEF no Sistema de Segurança Interna”, realizada em Lisboa, e que conta com a participação de deputados e ex-governantes que defendem a actual relevância do Serviço de Estrangeiros de Fronteiras (SEF) como órgão de polícia criminal na luta contra o tráfico de seres humanos e outras formas de criminalidade grave, bem como na fiscalização das fronteiras e acompanhamento do fenómeno da imigração.

Nas palavras de Acácio Pereira, ao pretender-se “extinguir o SEF”, através de uma restruturação isso conduz à “perda de especialização, de conhecimento e de capacidade” de um serviço fundamental na prevenção do terrorismo, do tráfico de seres humanos e da imigração ilegal. Segundo o dirigente sindical, antes da pandemia e da morte de Ihor Homenyuk “seria impensável que o SEF estivesse à beira da extinção”.

Perante a gravidade do “caso Ihor Homenyuk”, Acácio Pereira entende que o ministro da Administração Interna devia ter reforçado o SEF de meios de que não dispõe, após décadas de “desinvestimento”, em vez de pretender realizar, à margem do Parlamento, uma restruturação e reforma da instituição, que, na prática, significa a sua extinção, ao retirar as funções policiais aos inspectores do SEF.

“Acabar com o SEF não resolve problema nenhum e cria um mar de outros problemas”, disse Acácio Pereira, notando que sem o SEF o sistema de segurança “fica coxo”, pois o SEF é uma “peça cheia de experiência e conhecimento” nessa matéria, que é de protecção do país e da União Europeia (UE).

“Sem o SEF, a segurança de Portugal e da UE ficariam enfraquecidas face ao tráfico de seres humanos e no auxílio prestado aos imigrantes”, insistiu o dirigente sindical, elogiando a presença e a solidariedade nesta conferência de pessoas e ex-governantes que pertencem ao partido no Governo (PS).

“Hoje, não é fácil dar o corpo às balas pelo SEF, quando se pertence ao mesmo partido do ministro”, concluiu.

A resolução do Conselho de Ministros, que define as orientações políticas para a criação do Serviço de Estrangeiros e Asilo, que vai suceder ao SEF, estabelece “as traves-mestras de uma separação orgânica muito clara entre as funções policiais e as funções administrativas de autorização e documentação de imigrantes”.

A resolução determina quais as atribuições de natureza policial do SEF que vão transitar para a Guarda Nacional Republicana, Polícia de Segurança Pública e Polícia Judiciária, bem como as competências que vão passar para o Instituto dos Registos e Notariado, ficando o Serviço de Estrangeiros e Asilo com “atribuições de natureza técnico-administrativa”.

Antes, interveio na abertura da conferência o antigo ministro da Administração Interna Rui Pereira de governos chefiados por José Sócrates que destacou “as funções relevantíssimas” do SEF no serviço de segurança e investigação relacionadas com a imigração e o tráfico de seres humanos.

Para o antigo ministro, se não for aprovado pela Assembleia da República configura uma “inconstitucionalidade orgânica e formal”. Segundo Rui Pereira, é matéria de “reserva absoluta da Assembleia da República”, tanto mais que a intenção do diploma governamental é o de retirar competências a esta força de segurança e transferi-las para a PSP e GNR. Apesar de aprovado em Conselho de Ministros, “não é fonte de direito”, tratando-se “apenas de uma intenção”, sublinhando que o “primado legislativo” pertence à Assembleia da República, que é o local onde se realiza o “diálogo democrático por excelência”.

Ex-director critica demolição

Pretender não levar o diploma do Governo sobre a reforma do SEF ao parlamento seria, na opinião de Rui Pereira, tornar esse “diálogo [democrático] empobrecedor” e adoptar uma “dinâmica centralizada”. 

A conferência prosseguiu com intervenções de Dalila Araújo (PS), ex-secretária de Estado de Administração Interna, Nuno Magalhães (CDS), André Coelho Lima (PSD) e António Filipe (PCP), tendo este último considerado que este é o “pior momento” para se fazer uma restruturação do SEF “em cima” de um “acontecimento trágico” que aconteceu no aeroporto de Lisboa (caso Ihor Homenyuk) e que está a ser tratada pela justiça portuguesa.

Também Júlio Pereira, ex-director nacional do SEF, criticou a intenção do Governo de “demolir” este serviço, considerando que isso seria “abolir uma parede mestra da segurança interna” e “esquartejar” uma força de segurança, o que, na prática, seria “fazer um recuo de quase 50 anos”, levando à adoção de um esquema idêntico ao que vigorava antes do 25 de abril de 1974.

Júlio Pereira questionou também o momento escolhido para o executivo avançar na reforma do SEF, pois, disse, quando a pandemia passar Portugal vai sofrer “uma pressão enorme em termos de migratórios”, que levanta também sérios problemas em matéria de segurança interna, nomeadamente nas fronteiras.

“Não estamos em tempos de experimentalismos”, reiterou Júlio Pereira, num painel em que interveio ainda Gil Areas, ex-diretor executivo da FRONTEX, que realçou a importância do SEF e da sua eficácia operativa na fiscalização das fronteiras e no combate ao terrorismo e outras formas de criminalidade.

Nesta iniciativa, o sindicato dos inspectores do SEF decidiu convidar personalidades dos quatro partidos fundadores da democracia com responsabilidades na área da Administração Interna para explicarem “ao país político, à Academia e à opinião pública o quão errado seria desmantelar a única força de segurança e polícia criminal criada de raiz depois do 25 de Abril.

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