A Economia de Defesa e a defesa da Economia

Apostar na Economia de Defesa é boa política de Defesa, mas é também boa política económica. Se podemos fazer mais, e podemos, é nosso dever fazê-lo, e fazê-lo já.

Qual a relação entre a internet, o GPS, os drones ou os casacos de fibra utilizados para escaladas a baixas temperaturas? Todos dependem de tecnologias originadas ou desenvolvidas primeiramente pela economia de defesa para as Forças Armadas, mas que geraram novos desenvolvimentos, produtos e emprego em utilizações civis.

O Seminário Internacional sobre a Economia de Defesa Europeia, que hoje decorre em Lisboa, vai precisamente discutir esta matéria, que é uma prioridade da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia.

Em Portugal, a Economia de Defesa, com mais de 32 mil postos de trabalho, um salário médio quase duas vezes superior à média europeia e um volume de negócios de 2619M€ em 2019, cruza 40 setores, da construção ao têxtil, das comunicações à cibersegurança, da aeronáutica à construção naval, sendo uma das mais importantes reservas nacionais para a inovação, desenvolvimento económico, paz e segurança. E, portanto, para a recuperação económica.

A Economia de Defesa tem demonstrado bastante resiliência face à conjuntura e as entidades que a integram (mais de 300, entre empresas, centros de investigação e outras entidades) têm conseguido adaptar as suas atividades, tanto pelo facto de estarmos perante um setor de duplo uso, quer pelo facto de os projetos serem de longo prazo, quer pela sua vocação acentuadamente exportadora: a Economia de Defesa exporta mais de 60% do que produz.

Além das missões tradicionais, as Forças Armadas há muito que vêm entrando em novas áreas, designadamente no apoio humanitário ou na preparação para novos tipos de cenários híbridos e assimétricos.

A experiência de crise sanitária do último ano e meio veio acrescentar uma nova frente, recordando a importância de o Estado dispor de forças armadas com um elevado nível de operacionalidade, capazes de lidar com fenómenos inesperados. E demonstrou também a importância de as cadeias de abastecimento estarem próximas, reforçando a independência operacional e logística.

Por exemplo, durante os primeiros meses da pandemia, várias indústrias na esfera da Economia de Defesa puseram a sua capacidade de manufaturação ao dispor da saúde pública, produzindo gel desinfetante, ventiladores, máscaras e outros produtos.

As Forças Armadas requerem um elevado nível de prontidão na resposta, mas também especificações de rigor e sofisticação das soluções adotadas. Ao mesmo tempo, dispõem de um conhecimento que em algumas áreas não tem paralelo.

Tudo isto se repercute no desenvolvimento de melhores produtos e tecnologias, mas também em processos que acabam por ter impacto na abordagem das empresas ao mercado civil. Ao apostar em soluções com aplicação de duplo uso, militar e civil, está-se, portanto, a contribuir para desenvolver empresas mais competitivas.

A Europa já acordou para esta realidade e destinou quase oito mil milhões de euros apenas para os investimentos em investigação e desenvolvimento nesta área, sabendo bem que o efeito sobre o remanescente da Economia e sobre a autonomia, resiliência e suporte às populações de que ambicionamos, cada um e em conjunto, ter, não tem paralelo.

O Seminário que hoje decorre, promovido pela Portugal Defence, foca-se em três dimensões:

  • Promover um diálogo entre os Representantes das Indústrias de Defesa sobre a Base Tecnológica da Indústria de Defesa Europeia e a gestão de informação;
  • Identificar  os múltiplos instrumentos financeiros e programas disponíveis;
  • Discutir atuais e futuras iniciativas no âmbito da Economia de Defesa.

O Seminário contará com participantes da UE, NATO, Governo, Chefias Militares, Indústria, Academia e ONGs, são mais de 300 especialistas inscritos, vindos de toda a Europa, fomentando assim a troca de conhecimentos de experiências diversas e promovendo diálogo, troca de conhecimentos aprofundados com múltiplas perspetivas, e pondo em prática o conceito inclusivo e abrangente de ecossistema de defesa.

A pandemia e o ambiente estratégico evidenciaram em Portugal, como na Europa, a necessidade de mais cooperação e a necessidade de Forças Armadas dotadas de um amplo leque de capacidades, equipamentos e meios para responder a velhas e novas ameaças, apoiadas numa Economia de Defesa Europeia forte e competitiva.

Estamos perante um momento crucial em que temos de ser consequentes com as nossas palavras. É o momento de a Europa concretizar em matéria de defesa. E Portugal também.

A Economia de Defesa tem noção de que, pelas suas caraterísticas, tem responsabilidades para com o País a três níveis: 1) apoio na manutenção e operacionalidade dos meios e equipamentos militares; 2) participação ativa no desenvolvimento de soluções; 3) e no relançamento da atividade económica.

Sabemos hoje que a Economia de Defesa cria emprego (mais de 30.000), e cria emprego altamente qualificado – emprega o dobro dos licenciados e paga o dobro do salário médio português –, alicerçada num investimento em Investigação e Desenvolvimento que é mais do quádruplo da média nacional. Há muito a melhorar, mas parte-se de uma base com provas dadas.

Também sabemos que na Economia de Defesa o valor acrescentado de cada trabalhador é muito superior a outros setores:

PÚBLICO -
Aumentar

Durante muito tempo, a Defesa foi vista como uma aplicação não reprodutiva de recursos públicos. É uma visão errada, que cumpre desmentir com políticas concretas: reforçar o investimento em Defesa; abraçar a cooperação europeia; ligar Forças Armadas, empresas e universidades na produção de empregos, riqueza e capacidade de exportação, criando uma indústria digital, mais sustentável e mais bem integrada. 

Apostar na Economia de Defesa é boa política de Defesa, mas é também boa política económica. Se podemos fazer mais, e podemos, é nosso dever fazê-lo, e fazê-lo já.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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