Fotografia

Perdidas para o Estado Islâmico. As mães não desistem de procurá-las e trazê-las para casa

"O mais importante é que regressem a casa." O fotógrafo russo Sergey Stroitelev retratou mães tchetchenas que "perderam" as filhas para o Estado Islâmico. Desaparecidas, encarceradas em estabelecimentos prisionais iraquianos ou sírios ou residentes forçadas em "casas de viúvas", estas mulheres desejam voltar a casa e as suas mães são as suas maiores aliadas nessa missão. 

Maimulat é mãe de Imam, que partiu para a Turquia - e mais tarde para a Síria - na companhia do marido e três filhos. O marido faleceu em 2015, num ataque à bomba numa mesquita, na Síria, e Imam foi colocada numa casa de viúvas, de onde não pode sair. ©Sergey Stroitelev
Fotogaleria
Maimulat é mãe de Imam, que partiu para a Turquia - e mais tarde para a Síria - na companhia do marido e três filhos. O marido faleceu em 2015, num ataque à bomba numa mesquita, na Síria, e Imam foi colocada numa casa de viúvas, de onde não pode sair. ©Sergey Stroitelev

Em meados de 2010, um ano apenas após o final do conflito que culminou na perda da independência da Tchetchénia para a Rússia, muitos jovens tchetchenos começaram a abandonar a região. Atraídos por promessas de riqueza de recrutadores online, rumaram até à Turquia, ao Iraque, à Síria, onde acabariam ao serviço do Estado Islâmico.

O fotógrafo russo Sergey Stroitelev não sabe nem pode afirmar se os jovens que migraram conheceriam claramente o seu destino. Sabe, porém, que, até aos dias de hoje, a esmagadora maioria não regressou à Tchetchénia. Os homens terão, entretanto, morrido em combate ou abandonado as suas famílias para salvaguarda da sua identidade; as suas esposas e os filhos – que não tiveram outra escolha que não acompanhá-los nessa aventura – ficaram presos nas teias da jihad ou dos sistemas penais sírios e iraquianos por “auxílio ao terrorismo”.

As mulheres muçulmanas, afirma o fotógrafo, são forçadas a acompanhar os maridos se esses decidirem emigrar. “Têm de obedecer-lhes, em qualquer caso. Mesmo que a família directa da mulher se oponha, é o marido quem tem a última palavra”, elucida, em entrevista ao P3, a partir de São Petersburgo. E este é um dado importante, já que muitas não terão viajado ou compactuado voluntariamente.

Dez anos depois, as famílias destas mulheres e crianças continuam à espera do seu regresso à Tchetchénia. “Existem vários grupos de mães, que comunicam através do WhatsApp, que mantêm a esperança de encontrar as filhas e os netos e que se esforçam, activamente, por localizá-los”, explica Sergey Stroitelev. Foi através desses grupos que chegou ao contacto directo com as mães que retratou para a série de fotografias que realizou para o jornal online Meduza – fundado, em 2014, por jornalistas russos na Letónia para evitar o controlo do regime de Putin sobre os media.

Rosa é mãe de Khadizhat. Birlant é mãe de Fatima. Maimulat é mãe de Iman. Larissa é mãe de Ava. Razet é mãe de Madina. Zara é sogra de Aishat. Mizan é mãe de Marek. Sobre cada mãe, o fotógrafo projectou a imagem da filha desaparecida. “Estas mães vivem, de certo modo, na companhia das filhas diariamente”, refere Sergey. “Pensam nelas constantemente de dia, sonham com elas de noite. Elas também são vítimas do conflito, como as filhas, mesmo a milhares de quilómetros de distância.”

A história de Mizan, mãe de Marek, é a mais emblemática para Sergey. “Reúne todos os desafios que uma mulher enfrenta na Tchetchénia”, justifica. Depois de dez anos de casamento falhado, celebrado aos 14 anos, a filha de Mizan, Marke, casou pela segunda vez. O novo marido decidiu mudar-se para a Turquia pouco tempo depois. Nem Marek nem a família estavam de acordo com a mudança, mas, para evitar novo divórcio, acabaram por aceder. O casal foi, na verdade, para o Iraque e todos os medos da família materializaram-se.

A primeira filha do casal, Sumaya, já nasceu lá. O marido morreu, pouco tempo depois da chegada, vítima de um míssil que atingiu o carro onde viajava com os amigos e Marek foi internada numa "casa de viúvas". Estes “são lugares onde as mulheres muçulmanas têm de permanecer, após a morte do marido”, explica. “E de onde apenas podem sair se outro homem muçulmano as quiser desposar.” No interior, as mulheres são encorajadas a cortar a comunicação com o exterior e são vigiadas durante os telefonemas de forma a não revelarem o seu paradeiro. O último contacto de Marek com a mãe data de 14 de Fevereiro de 2017.

Contra a vontade da família, Iman partiu de Grozny para a Turquia, na companhia do marido e de três filhos. Em 2015, o marido foi morto num ataque à bomba a uma mesquita, na Síria, e Iman foi colocada numa "casa de viúvas". A família manteve contacto com ela e os netos até 2017, mas sempre de forma controlada. Seguiram-se dois anos de silêncio. A família percebeu, entretanto, que a filha tinha sido detida em Damasco, sob acusação de auxílio ao terrorismo, e que os seus três filhos tinham sido colocados num orfanato. Os filhos foram devolvidos à família, na Tchetchénia, com a ajuda do Governo russo, em Agosto de 2020. “O rapaz, o mais velho, não quer estudar”, descreve o fotógrafo. De acordo com a avó, à chegada era uma criança muito agressiva, graças a tudo o que experienciou na Síria. Actualmente, à semelhança das irmãs, é acompanhado por um psicólogo. Iman está presa há quatro anos e a família faz pressão, junto do Governo russo para que seja extraditada.

Fatima abandonou a Tchetchénia em 2014. A sua mãe, Birlant, pediu-lhe que não viajasse, mas sem sucesso. No Iraque, o marido de Fatima desapareceu – ninguém pode afirmar se está vivo ou não – e ela e os três filhos foram colocados num campo da Cruz Vermelha. A filha foi, entretanto, presa por associação ao terrorismo e as crianças enviadas de volta para a família, na Tchetchénia.

“As crianças têm, por norma, mais sorte que as mães, no que toca o regresso à Tchetchénia”, afirma Sergey. O Governo russo já esteve mais empenhado no resgate das mulheres. “Menos, nos últimos anos”, refere. “A questão é complexa. As mães destas mulheres sofrem duplamente: pela ausência das filhas, e pela vergonha associada à acusação de terrorismo.” O fotógrafo de 35 anos encontra-se, presentemente, no Daguestão, onde dá seguimento ao projecto.

Imam foi, entretanto, detida em Damasco sob acusação de auxílio ao terrorismo. Os seus filhos foram colocados num orfanato. Em Agosto de 2020, as crianças foram devolvidas à Rússia, mas sofrem de stress pós-traumático.
Imam foi, entretanto, detida em Damasco sob acusação de auxílio ao terrorismo. Os seus filhos foram colocados num orfanato. Em Agosto de 2020, as crianças foram devolvidas à Rússia, mas sofrem de stress pós-traumático. ©Sergey Stroitelev
Rosa é mãe de Khadizbat. Em Junho de 2015, a filha seguiu o marido para a Turquia. Em Março de 2017, a filha ligou-lhe, informando-a de que tinha ficado ferida numa explosão. No Iraque. Khadizbat e o genro, com uma filha de nove meses nos braços, não participaram no conflito, tentaram apenas escapar à guerra; porém o genro foi preso. Quando conseguiu escapar, foi com Khadizbat e a filha para a Síria, onde foram novamente detidos.
Rosa é mãe de Khadizbat. Em Junho de 2015, a filha seguiu o marido para a Turquia. Em Março de 2017, a filha ligou-lhe, informando-a de que tinha ficado ferida numa explosão. No Iraque. Khadizbat e o genro, com uma filha de nove meses nos braços, não participaram no conflito, tentaram apenas escapar à guerra; porém o genro foi preso. Quando conseguiu escapar, foi com Khadizbat e a filha para a Síria, onde foram novamente detidos. ©Sergey Stroitelev
A última vez que Rosa ouviu a voz da filha foi a 29 de Agosto de 2017, a partir de uma prisão. Os netos foram, entretanto, devolvidos a Moscovo. A transferência do casal está a ser tratada pela Embaixada russa.
A última vez que Rosa ouviu a voz da filha foi a 29 de Agosto de 2017, a partir de uma prisão. Os netos foram, entretanto, devolvidos a Moscovo. A transferência do casal está a ser tratada pela Embaixada russa. ©Sergey Stroitelev
"Sei que há processos abertos contra os dois na Rússia, onde serão julgados", explica Rosa a Sergey. "Mas isso não é importante. O importante é que regressem."
"Sei que há processos abertos contra os dois na Rússia, onde serão julgados", explica Rosa a Sergey. "Mas isso não é importante. O importante é que regressem." ©Sergey Stroitelev
Birlant é mãe de Fatima, que casou com um homem ucraniano contra a vontade da família. Em 2014, mudaram-se para a Turquia. A última vez que Birlant contactou Fatima foi em Agosto de 2017. Por volta dessa altura, percebeu que a filha tinha ido para o Iraque. Soube que o genro desapareceu - ninguém sabe se está vivo ou morto - e que o paradeiro de Fatima era desconhecido. Mais tarde, Birlant soube que a filha estava ferida, que tinha sido vítima de uma explosão. "Nessa altura, as pessoas no Iraque era presas indiscriminadamente por auxílio ao terrorismo", explica Birlant a Sergey. A sua filha foi presa. Os seus netos foram devolvidos. "Diante de mim chamam-me mãe, diante de outros chamam-me de avó." Continuam a aguardar o regresso de Fatima.
Birlant é mãe de Fatima, que casou com um homem ucraniano contra a vontade da família. Em 2014, mudaram-se para a Turquia. A última vez que Birlant contactou Fatima foi em Agosto de 2017. Por volta dessa altura, percebeu que a filha tinha ido para o Iraque. Soube que o genro desapareceu - ninguém sabe se está vivo ou morto - e que o paradeiro de Fatima era desconhecido. Mais tarde, Birlant soube que a filha estava ferida, que tinha sido vítima de uma explosão. "Nessa altura, as pessoas no Iraque era presas indiscriminadamente por auxílio ao terrorismo", explica Birlant a Sergey. A sua filha foi presa. Os seus netos foram devolvidos. "Diante de mim chamam-me mãe, diante de outros chamam-me de avó." Continuam a aguardar o regresso de Fatima. ©Sergey Stroitelev
Larissa é mãe de Ava. Ava casou aos 20 anos com um homem que sonhava estudar religião no Egipto. Na verdade, o casal sairia da Tchetchénia, mas o destino seria o Iraque, onde o genro acabaria por morrer vítima de um bombardeamento. Ava foi viver com a família do marido e tornou a casar. Larissa soube, em 2017, que a filha tinha sido presa após a morte do segundo marido, e que estava na prisão estatal de Rasafa, em Bagdade. Estava grávida do seu terceiro filho. Ava telefonou a Larissa várias vezes, a partir da prisão, onde partilhava cela com mais 59 mulheres e os respectivos filhos. Foi condenada a 15 anos de prisão. Os três filhos de Ava foram devolvidos a Larissa. "O mais velho gritava terrivelmente, no primeiro mês em que chegou."
Larissa é mãe de Ava. Ava casou aos 20 anos com um homem que sonhava estudar religião no Egipto. Na verdade, o casal sairia da Tchetchénia, mas o destino seria o Iraque, onde o genro acabaria por morrer vítima de um bombardeamento. Ava foi viver com a família do marido e tornou a casar. Larissa soube, em 2017, que a filha tinha sido presa após a morte do segundo marido, e que estava na prisão estatal de Rasafa, em Bagdade. Estava grávida do seu terceiro filho. Ava telefonou a Larissa várias vezes, a partir da prisão, onde partilhava cela com mais 59 mulheres e os respectivos filhos. Foi condenada a 15 anos de prisão. Os três filhos de Ava foram devolvidos a Larissa. "O mais velho gritava terrivelmente, no primeiro mês em que chegou." ©Sergey Stroitelev
Zara é mãe de Mackey, que casou aos 18 anos. Na Turquia, em Antália, Zara percebeu que a sua filha tinha sido "roubada" e que estava na Síria. Zara tentou, por diversas vezes, ir procurá-la, mas sem sucesso. Zara ficou doente durante seis meses. "Não conseguia levantar-me da cama." Passados alguns meses, a filha entrou em contacto. Tinha casado com um tchetcheno, contra a vontade. Informou a mãe que estava na Síria. O marido morreu durante um bombardeamento.
Zara é mãe de Mackey, que casou aos 18 anos. Na Turquia, em Antália, Zara percebeu que a sua filha tinha sido "roubada" e que estava na Síria. Zara tentou, por diversas vezes, ir procurá-la, mas sem sucesso. Zara ficou doente durante seis meses. "Não conseguia levantar-me da cama." Passados alguns meses, a filha entrou em contacto. Tinha casado com um tchetcheno, contra a vontade. Informou a mãe que estava na Síria. O marido morreu durante um bombardeamento. ©Sergey Stroitelev
Zara, mãe de Mackey. Mackey estava grávida e foi colocada numa casa de viúvas. Durante o parto, quase morreu - e foi transportada para o Iraque, onde mais tarde foi vendida e mantida em cativeiro. "Um representante da Tchetchénia voou até ao Iraque e encontrou 25 mulheres e 100 crianças nessa prisão e transferiu todos para a prisão estatal de Rasafa." A neta de Zara foi devolvida a Tchetchénia e Mackey aguarda extradição. "Ela quer voltar e criar a sua filha."
Zara, mãe de Mackey. Mackey estava grávida e foi colocada numa casa de viúvas. Durante o parto, quase morreu - e foi transportada para o Iraque, onde mais tarde foi vendida e mantida em cativeiro. "Um representante da Tchetchénia voou até ao Iraque e encontrou 25 mulheres e 100 crianças nessa prisão e transferiu todos para a prisão estatal de Rasafa." A neta de Zara foi devolvida a Tchetchénia e Mackey aguarda extradição. "Ela quer voltar e criar a sua filha." ©Sergey Stroitelev
Mizan é mãe de Marek. Marke casou pela primeira vez aos 14 anos. Dez anos depois, o casamento falhou e tornou a casar. O novo marido decidiu ir para a Turquia. Marek seguiu-o, contra a sua vontade. O marido acabou por morrer, vítima de um míssil que atingiu o carro onde seguia com amigos. Foi internada, junto da filha, numa casa de viúvas, de onde não consegue libertar-se. O último contacto com Mizan decorreu em Fevereiro de 2017.
Mizan é mãe de Marek. Marke casou pela primeira vez aos 14 anos. Dez anos depois, o casamento falhou e tornou a casar. O novo marido decidiu ir para a Turquia. Marek seguiu-o, contra a sua vontade. O marido acabou por morrer, vítima de um míssil que atingiu o carro onde seguia com amigos. Foi internada, junto da filha, numa casa de viúvas, de onde não consegue libertar-se. O último contacto com Mizan decorreu em Fevereiro de 2017. ©Sergey Stroitelev
Razet, mãe de Madina. Madina casou aos 24 anos e, em 2014, abandonaram o país em direcção ao Egipto. Do Egipto, mudaram para a Turquia. Em 2017, Razet descobriu que estavam, afinal, no Iraque. Meses depois, Razet encontrou os seus nomes numa lista. Estavam vivos e pertenciam a um grupo radical.
Razet, mãe de Madina. Madina casou aos 24 anos e, em 2014, abandonaram o país em direcção ao Egipto. Do Egipto, mudaram para a Turquia. Em 2017, Razet descobriu que estavam, afinal, no Iraque. Meses depois, Razet encontrou os seus nomes numa lista. Estavam vivos e pertenciam a um grupo radical. ©Sergey Stroitelev
Razet. Madina foi condenada a 15 anos de prisão.
Razet. Madina foi condenada a 15 anos de prisão. ©Sergey Stroitelev
Razet. A filha do casal, neta de Razet, foi devolvida à família em Dezembro de 2018. "Reage a qualquer ruído, tem medo de estar sozinha. Conta histórias de quando estava presa, com a mãe, numa cela que tinha entre 80 a 100 reclusos. Dormiam no chão, sobre colchões, num chão de terra batida."
Razet. A filha do casal, neta de Razet, foi devolvida à família em Dezembro de 2018. "Reage a qualquer ruído, tem medo de estar sozinha. Conta histórias de quando estava presa, com a mãe, numa cela que tinha entre 80 a 100 reclusos. Dormiam no chão, sobre colchões, num chão de terra batida." ©Sergey Stroitelev
Zara é sogra de Aishat, que fugiu para a Turquia com os seus filhos para encontrar um recrutador que conheceu online. Foi encontrada dois anos depois. Pediu dinheiro a Zara, que recusou enviar. Soube que casou novamente e que teve vários filhos desse novo casamento.
Zara é sogra de Aishat, que fugiu para a Turquia com os seus filhos para encontrar um recrutador que conheceu online. Foi encontrada dois anos depois. Pediu dinheiro a Zara, que recusou enviar. Soube que casou novamente e que teve vários filhos desse novo casamento. ©Sergey Stroitelev
Aishat está num campo de refugiados com os seus filhos junto à fronteira entre a Síria e o Iraque. Um dos seus filhos, Ali, morreu aos 8 anos, vítima de uma ataque à bomba.
Aishat está num campo de refugiados com os seus filhos junto à fronteira entre a Síria e o Iraque. Um dos seus filhos, Ali, morreu aos 8 anos, vítima de uma ataque à bomba. ©Sergey Stroitelev
O filho de Zara, ex-marido de Aishat,  tem uma nova família. "Desejo que Aishat regresse com os meus netos. Não lhe guardo rancor, apesar do insulto que dirigiu à minha família", disse a Sergey.
O filho de Zara, ex-marido de Aishat, tem uma nova família. "Desejo que Aishat regresse com os meus netos. Não lhe guardo rancor, apesar do insulto que dirigiu à minha família", disse a Sergey. ©Sergey Stroitelev