Há outros países da UE que financiem o património com a lotaria?

A Santa Casa da Misericórdia lançou, em articulação com o Ministério da Cultura, uma “raspadinha” do Património. A ideia foi criticada por promover a dependência do jogo numa população idosa e desfavorecida. A ministra, Graça Fonseca, diz que noutros países da União Europeia se faz o mesmo.

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LUSA/OLIVIER HOSLET / POOL

A frase

“Não há nada de extraordinário [na Lotaria do Património]. Portugal está a fazer exactamente o que outros Estados-membros fizeram”.

Graça Fonseca, Ministra da Cultura

O contexto

Cumprindo uma medida inscrita no Orçamento de Estado para 2021, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa lançou na passada terça-feira uma edição de lotaria instantânea, vulgo “raspadinha”, cujas receitas serão parcialmente destinadas ao Fundo de Salvaguarda do Património Cultural, gerido pelo Ministério da Cultura, que deverá receber por esta via um suplemento financeiro de cinco milhões de euros. A medida tem vindo a ser criticada por promover a dependência do jogo, em particular na população economicamente mais desfavorecida, que é a principal consumidora de “raspadinhas”. Questionada pelos jornalistas em Bruxelas, onde participava numa reunião dos ministros da Cultura da União Europeia (UE), a ministra argumentou que Portugal estava a seguir a prática de outros Estados-membros, e adiantou um caso concreto: “A lotaria do património é um instrumento muito popular em países como, por exemplo, a França”.

Os factos

Vários países europeus destinam verbas de jogos de azar à recuperação patrimonial, a par de outros destinos socialmente úteis, da saúde ao desporto ou à educação. E lá que a ideia não é nova, não é. Júlio César [100 a.C - 44 a.C] financiou construções com uma espécie de lotaria. Na Europa de hoje, a referência nessa matéria é o Reino Unido, que já não pertence à UE. A Heritage Lottery Fund (HLF), uma instituição pública não-governamental, é a principal financiadora do património cultural britânico, no qual prevê investir, só no quinquénio 2109-2024, 1200 milhões de libras (quase 1400 milhões de euros). Foi na experiência inglesa que a França assumidamente se inspirou para lançar, em 2018, a Mission Patrimoine, uma edição anual de raspadinhas destinadas a financiar uma lista pré-estabelecida de monumentos a reabilitar. Cada cartão custa 15 euros, dos quais são destinados ao património 1,76 euros, o que representou, no conjunto dos dois primeiros anos, um financiamento de 47 milhões de euros. Também a Alemanha tem um loto nacional — Glücks Spirale (Espiral da Sorte) — que desde o início dos anos 90 contribuiu com mais de 500 milhões de euros para a conservação de monumentos. E muitos Estados federados alemães têm lotarias próprias para os mesmos fins. Já a lotaria finlandesa, gerida pela empresa estatal Veikkaus, não é especificamente dirigida ao património, mas paga cerca de metade do que o Governo gasta no apoio às artes e à cultura.

A frase de Graça Fonseca não permite concluir que se referia concretamente a “raspadinhas” quando invocou o exemplo de outros países, embora o contexto favorecesse essa leitura. Nesse caso, o exemplo mais comparável seria mesmo o da França, que decerto inspirou a versão portuguesa. O que não quer dizer que não existam outros mais pontuais: a Itália, por exemplo, usou a raspadinha — a que os italianos chamam “gratta e vinci” (raspa e ganha) — para co-financiar, em 2017, o restauro do Moisés de Miguel Ângelo, uma iniciativa que, aliás, recebeu então críticas muito semelhantes às que agora são dirigidas em Portugal a esta Lotaria do Património. Portanto, descontando o uso retórico do advérbio “exactamente”, a medida portuguesa tem precedentes noutros países da EU.

Em resumo

A frase é verdadeira.

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