Com nove artistas se faz o Ateneu do Catorze — e se leva cultura a Odemira

Ateneu do Catorze, um espaço cultural e artístico localizado em São Luís, no litoral do Alentejo, já conta com a presença de nove artistas. É também utilizado para iniciativas culturais abertas a toda a comunidade.

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LUSA/NUNO VEIGA

A freguesia de São Luís, no concelho de Odemira, de dois mil habitantes, alberga um espaço cultural que junta nove artistas, promovendo exposições, concertos, teatro cinema e poesia. “Não conheço nenhum projecto assim. Conheço as Oficinas do Convento, em Montemor-o-Novo, que pode ter algumas parecenças”, diz à Lusa Maya Fernandes Kempe, que faz esculturas em cerâmica e é uma das fundadoras.

Chamado Ateneu do Catorze, formado em 2017 por quatro pessoas, o projecto ocupa todo o espaço de uma antiga loja e habitação de um ex-comerciante conhecido por Catorze. Ali tudo é aproveitado, ou vai ser, sejam os espaços de salga de carne ou para guardar o bacalhau o azeite, seja o antigo galinheiro, agora em obras para se transformar no atelier de Tiago Jesus, ceramista.

Foi professor, morou sempre em Corroios, perto de Lisboa, e vive há seis anos em São Luís, uma aldeia ao lado do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV). Ele mesmo está a fazer a obra, tentando manter a estrutura original, usando materiais reciclados.

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A artista alemã Maya Fernandes Kempe e a portuguesa Ana Baleia, posam para a fotografia junto ao balcão da antiga mercearia que deu o espaço e o nome ao coletivo de artistas a que pertencem, Ateneu do Catorze, um espaço cultural e artístico fundado em 2017, em São Luís, Odemira, 12 de maio de 2021. Lusa/Nuno Veiga

Dos nove artistas que povoam o Ateneu nenhum é de São Luís. Chegaram de Lisboa ou Porto, chegaram de Berlim ou Manchester, une-os o brilho nos olhos de quem está a fazer uma coisa de que gosta e a fazê-lo num sítio que gosta.

Além dos ateliers, o espaço também serve para iniciativas culturais abertas à comunidade, mas Maya Kempe, alemã, diz que a pandemia de covid-19 interrompeu tudo. Antes, em 2018 e 2019, fizeram exposições, concertos, peças de teatro, sessões de poesia. Ali mas também na igreja, junto da sede da autarquia, no clube recreativo. “As pessoas aderiram, antes da pandemia. Mas agora não temos feito nada”, precisa à Lusa, explicando que o trabalho continua nos ateliers, espaços de trabalho individual, mas também de criação de projectos em conjunto, de sinergias e troca de ideias.

Nem sempre lá estão todos, nem sempre há um artista convidado já que o Ateneu também é uma residência artística, nem sempre há uma exposição aproveitando a montra da antiga loja, como a que está por estes dias de Maja Escher, alemã, professora na escola António Arroio, em Lisboa (trabalhos em barro sobre temas da natureza).

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O ceramista Tiago Jesus, um dos mais recentes integrantes do coletivo de artistas Ateneu do Catorze. Lusa/Nuno Veiga

O Ateneu preserva objectos do antigo dono e com eles fez um pequeno museu e vai trabalhando na recuperação do espaço, devagarinho, como diz Maya Kempe. Ao mesmo tempo lá estão Ana Baleia a fazer design de figurinos e Maya a fazer esculturas de mulheres em cerâmica ou de sementes ampliadas. Ainda em cerâmica, está também Crystal Kershaw, inglesa, que trabalha em pintura, escultura, joalharia e “materiais que gosta” desde que não seja o plástico.

Nem todos os artistas estão sempre presentes, alguns, como Sérgio Fernandes, da companhia Teatro Só, têm espectáculos fora. Na Ribeira da Azenha, perto de Vila Nova de Milfontes, no extremo norte do concelho de Odemira, Sara Serrão também não está sempre no edifício que já foi uma escola primária construída no Estado Novo e, que agora alberga o projecto Oficina na Escola.

É agora ali um centro de produção e valorização do artesanato e produtos locais, onde se vendem também produtos da Associação de Artesãos do Concelho de Odemira (CACO). Na antiga sala de aulas, explica Sara Serrão à Lusa, fazem-se workshops, no antigo alpendre há um atelier de cerâmica onde se fazem “pequenas oficinas ao fim de semana, onde os habitantes da localidade desenvolvem ideias à volta do barro”.

Apesar da pandemia de covid-19 ter impedido que o projecto começasse em Setembro e se desenvolvesse como queria, há também oficinas, como a de costura ou desenho e, em breve, arranca um coro local. Sara Serrão diz que “há apetência das pessoas para fazerem actividades à margem das suas vidas profissionais”, mas há também outros alunos para a escola, os nómadas digitais, que não residindo na localidade passam ali grandes temporadas.

Ribeira da Azenha fica dentro do PNSACV e perto passam os trilhos pedestres (e cicláveis) do projecto Rota Vicentina, uma associação para a promoção do turismo de natureza na costa alentejana e vicentina, que vai de Santiago do Cacém a Lagos. O projecto, diz Sara Serrão, “estruturou uma aproximação à região que não havia” e procura juntar “o que ainda há de cultura local com o interesse de locais e não locais”, e tenta “aglomerar micro agentes da cultura local”.

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A artista alemã Maya Fernandes Kempe. Lusa/Nuno Veiga
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A designer de moda e figurinista, Ana Baleia, é uma das integrantes do coletivo de artistas Ateneu do Catorze. Lusa/Nuno Veiga

Marta Cabral, directora do Rota Vicentina, confirma. O projecto começou centrado nos percursos pedestres, que era “uma lacuna no território” e que permitia aceder ao mercado do turismo de caminhantes, mas foi-se adaptando e desenvolvendo nos últimos oito anos, entrando a questão da cultura quando foi perceptível o grande sucesso dos percursos junto ao mar e a necessidade de “dar mais consistência” aos trilhos do interior. A ideia foi “investir na componente cultural, na identidade rural do Alentejo, explorar as paisagens, o montando, as hortas e os campos cultivados”, diz à Lusa.

Marta Cabral lembra que da Rota Vicentina nasceu o projecto ID Rota Vicentina, apoiado por agentes locais e pelo Programa de Valorização Económica dos Recursos Endógenos (PROVERE, fundos europeus) e que consiste basicamente numa aliança entre o turismo e a cultura, sempre associada à sustentabilidade.

É algo trabalhado durante mais de um ano, salienta a responsável, explicando que dele resultou também uma agenda, um manifesto e uma semana ID Rota Vicentina. “Pensámos que os recursos culturais podiam entrar no sistema turístico”.

Marta Cabral salienta que a caminhada é uma actividade “a explodir” em todo o mundo, que o trabalho da Rota Vicentina é também promover um turismo sustentável e ordenado, quer ao longo da costa quer no interior, e sensibilizar as pessoas para a importância do PNSACV. “Isto não é uma coisa qualquer, é um parque natural”. É por isso que a preocupa o “enorme problema” da agricultura intensiva que acontece em parte do PNSACV, nomeadamente entre Vila Nova de Milfontes e Zambujeira.

A Rota já em 2016 alertava para o “enorme problema” e desde então as coisas pioraram. “Estamos francamente desiludidos com a estratégia, ou falta dela, para o território. Sentimos que o investimento aqui está a ser ignorado e vandalizado pelas políticas do Governo”. E acrescenta. “Somos ignorados. A comunidade tem de ter uma palavra a dizer, tem de ser envolvida. E isso não está a acontecer”.

Em resumo, diz a responsável do projecto Rota Vicentina, tem de haver razoabilidade nos investimentos que se fazem no sudoeste alentejano. Porque “não se pode eleger uma região para ser completamente terraplanada”.

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