Colômbia: por qué sigue el paro?

Aos jovens das classes média e baixa e aos movimentos estudantis juntam-se desempregados, trabalhadores da saúde, trabalhadores dos sectores de transportes, entre muitos outros. É quase impossível definir os grupos sociais que se cruzam e se unem agora por causas comuns.

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Nicolas Valencia

Tengo miedo”, diz-me Douglas, um rapaz de 24 anos que cresceu num bairro de Bogotá e é hoje professor e investigador na Universidade de Los Andes, na Colômbia. Entre realidades diferentes, as origens num bairro pobre e a frequência de uma universidade privada, muitos dos seus amigos de infância, colegas de trabalho, alunos e professores encontram-se hoje nas ruas da capital colombiana a protestar contra o Governo de Ivan Duque.

Aos jovens das classes média e baixa e aos movimentos estudantis juntam-se desempregados, trabalhadores da saúde, trabalhadores dos sectores de transportes, entre muitos outros. É quase impossível definir os grupos sociais que se cruzam e se unem agora por causas comuns.

Em casa, a ver a revolução através da televisão, ficam geralmente as gerações mais velhas. Existem narrativas comuns em toda a América Latina baseadas no medo do comunismo venezuelano, na objectificação da primera linea como delinquentes, vândalos que devem ser alvo da violência policial, e na teoria da “Revolução molecular dissipada”, que pretende legitimar que as Forças Armadas possam disparar para matar civis.

“Tenho medo pela minha mãe, caso algo me aconteça.” Ao juntar-se ao movimento, Douglas enfrenta também a sua própria família. Enquanto algumas mães se esforçam para manter os filhos fora do epicentro dos protestos, outras somam-se às manifestações, muitas delas como reacção à forte repressão policial, uma vez que são os mais jovens que mais activamente participam nas manifestações.

No chat que criámos com outros amigos colombianos para trocarmos informações, assisto à discussão “Por qué sigue el paro?” Depois de fortes manifestações em Novembro de 2019, o país demorou a voltar aos protestos, mas desta vez as mobilizações alongam-se no tempo. A explosão deu-se por causa da reforma tributária que iria afectar sobretudo as classes baixa e média. Contudo, depois de Ivan Duque dar um passo atrás e retirar a proposta, amontoam-se as razões para não largar as ruas.

A Colômbia não só é um dos países mais afectados pela situação pandémica, como tem ainda das mais baixas taxas de vacinação da América Latina. Além disso, os dados de 2020 demonstram que 42,5% da população colombiana vive em condição de pobreza, sendo um dos países com maiores desigualdades da região. O anúncio de uma reforma da saúde, classificado como urgente pelo Governo, também preocupa a população uma vez que abre portas à privatização dos recursos de saúde que segundo a Constituição de 1991 devem ser públicos.

Contudo, a forte repressão policial e a militarização de Cali com 10 mil polícias e 2100 soldados parecem o principal combustível para os quase 20 dias de manifestações. Os números são alarmantes e a comunidade internacional, incluindo a ONU, apressou-se a condenar a actuação das forças armadas colombianas. A organização não-governamental Temblores, entre 8 e 18 de Maio, reportou a morte violenta de 43 pessoas, 2387 casos de utilização abusiva de força, 33 vítimas de lesões oculares, 384 vítimas de violência física, 1139 detenções arbitrárias de manifestantes e 18 pessoas vítimas de violência sexual. Entre os dados apresentados, as violações, concretamente, são um espelho de um país marcadamente machista, um tema também muito presente nos cartazes dos protestos.

Nicolás, também de 24 anos, actualmente professor numa das áreas mais complicadas da Colômbia, Tumaco, advoga a incapacidade do Governo para dialogar, defendendo que essa é também uma forma de violência para com todos aqueles que têm esperança num futuro mais justo para o povo colombiano. O Governo apenas se reúne com os Grémios, com os políticos tradicionais e nunca com a oposição, elementos que não representam e não fazem com que os manifestantes se sintam representados no diálogo.

A somar-se a isso, não existe um reconhecimento oficial e uma condenação dos abusos das Forças Armadas, existindo pelo contrário um discurso oficial que estigmatiza as pessoas que saem a marchar com expressões como “terroristas” e “guerrilheiros”. Ainda no que diz respeito à comunicação, verificaram-se actos de censura nas redes sociais, cortes de internet em Cali e um discurso manipulado por parte dos canais de televisão que beneficia o Estado.

Por último, mas nunca por último, acrescento, os problemas de racismo e a situação insustentável em que vivem os líderes sociais, com uma grande maioria indígena, que enfrentam adversários no Governo e na própria população. Até 26 de Fevereiro de 2021, tinham sido assassinados no país, 27 líderes sociais indígenas.

Miguel, artista de audiovisual, rematou com “Falta de confianza”. Ninguém voltou a responder. Todos os problemas se podem reduzir a essa falta de confiança. No presente e num futuro mais justo. No caminho que o país está a permitir que seja percorrido. Falta de confiança na possibilidade de os representantes do povo tomarem acções que melhorem a vida dos colombianos.

Pergunto-me ainda se existe esperança, mas como se diz repetidas vezes, quão má tem de ser a situação para, no meio de uma pandemia arrasadora para o país, as pessoas saírem à rua a protestar? Opto por não colocar a questão a discussão, afinal, exista ou não, a esperança parece ser a última das esperanças.

* Este texto foi escrito em colaboração com Douglas Newball, Miguel Morales e Nicolás Hernández.

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