Onde as pessoas estão

Tanto a Agenda da Juventude como o Programa Bairros Saudáveis constituem excelente demonstração da confiança do governo central na capacidade de as populações pensarem e agirem com responsabilidade em defesa de respostas às necessidades que sentem e exprimem.

Em 2016, a OMS realizou em Xangai a nona e mais recente conferência mundial de Promoção da Saúde, na qual participaram decisores políticos de inúmeros países, que assumiram o compromisso de promover a saúde de todas as pessoas de todas as idades, através da adoção de medidas conducentes a um desenvolvimento sustentável, orientado segundo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Foram estabelecidos três pilares estratégicos para a melhoria da saúde e bem-estar: 1) promover a boa governança a nível nacional, local e mundial, 2) desenvolver cidades e comunidades saudáveis e 3) aumentar o conhecimento e a literacia em saúde da população. Estes pilares estão relacionados entre si e conectados pela participação dos cidadãos e das comunidades, o que é considerado a via adequada para o sucesso.

Comecemos pelo primeiro pilar. Governança é o processo através do qual governos e outras organizações sociais interagem, se relacionam com os cidadãos e tomam decisões, num mundo cada vez mais complexo e interdependente. Faz parte de uma boa governança uma liderança democrática e transparente. Para tal é necessário ter em conta o que pensam os cidadãos, chamando-os à participação ativa sobre os assuntos que lhes dizem respeito.

O segundo pilar reconhece que os locais onde as pessoas vivem e trabalham são fundamentais para a promoção da saúde, sendo que um bom nível de saúde é um indicador de que as comunidades são resilientes, seguras e inclusivas. Chama-nos, assim, a atenção para a importância da coesão social e que as políticas devem ser orientadas para dar resposta às necessidades das comunidades, numa cada vez maior proximidade entre decisores e cidadãos, por forma a que seja mais fácil perceber se as politicas interpretam o estado de saúde e que propostas encontram os cidadãos para o melhorar. Mais uma vez, é fundamental assegurar mecanismos de participação que permitam cocriar com as populações um percurso para uma melhor saúde, usando e potenciando os recursos locais já disponíveis, alavancando-os, integrando e articulando iniciativas e ações. O recurso mais precioso nestes processos são as próprias pessoas. Elas permitem entender melhor os problemas, têm ideias claras sobre como os abordar e, percebendo que são parte da solução, tornam-se agentes facilitadores da implementação das medidas que forem consensualizadas.

O conhecimento e a literacia em saúde tornam-se inevitavelmente o pilar necessário para que os outros se desenvolvam. A participação de populações com um nível de literacia baixo é geralmente fraca, quer porque não se sentem seguras a relacionar-se e envolver-se com outras pessoas, grupos ou organismos que consideram de um nível social superior, quer porque não dispõem da informação necessária para fazer propostas.

A confiança dos cidadãos nas instituições e na sua capacidade de reconhecimento do valor das suas opiniões, convertendo-as em decisões alicerçadas naquilo que expressam, é fundamental para que encontrem motivação para participar. A participação será tanto maior e melhor quanto maior for o seu nível de literacia, especificamente da literacia em saúde e a existência de um contexto cultural e social que a favoreça. 

Assim, o investimento na capacitação dos cidadãos e nos mecanismos facilitadores da sua participação nas decisões e no delineamento de intervenções torna-se essencial para que as políticas locais e nacionais respondam adequadamente aos problemas e aos anseios das populações e venham a ser efetivamente implementadas.

Em Portugal existem dois bons exemplos recentes da participação da comunidade: um é a Agenda da Juventude para a Saúde 2030, um projeto do Conselho Nacional de Saúde, em parceria com a Direção Geral de Educação e a Federação Nacional das Associações Juvenis, e o outro é o Programa dos Bairros Saudáveis.

A Agenda da Juventude para a Saúde 2030 alicerça-se em vários documentos nacionais e internacionais. A nível nacional, na Constituição da República Portuguesa, na Lei de Bases da Saúde e nos Estatutos do Serviço Nacional de Saúde, entre outros documentos. A nível internacional, na Agenda da Juventude 2030 das Nações Unidas, nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, na Estratégia para a Saúde das Mulheres e das Crianças e na Convenção dos Direitos da Criança. Este último documento, que irá ser entregue ao governo e à Assembleia da República no próximo dia 21 de maio, foi construído com base na opinião da população jovem, recolhida a partir de questionários, webinars, grupos focais, debates nas escolas, discussão pública. Será um roteiro para a década 2030 que permitirá aos decisores orientarem as suas políticas e aos jovens a monitorização das mesmas e uma das bases para a advocacia em saúde.

O Programa Bairros Saudáveis baseia-se no conceito de sindemia da covid-19, a acontecer nos territórios mais vulneráveis do país, desde os grandes centros urbanos às zonas mais recônditas do interior, onde as condições de vida facilitam a transmissão da doença e o aparecimento de formas mais graves de expressão. Este Programa, que é intersectorial e envolve sete ministérios, baseia-se num diagnóstico que incluiu a pergunta às populações residentes nestes territórios sobre como viam as suas prioridades e o que propunham quanto a iniciativas locais para lhes dar resposta, podendo aceder a um pequeno financiamento para os projetos que viessem a desenvolver. A adesão a este Programa foi enorme, traduzindo uma grande avidez dos territórios em aproveitar oportunidades de uma política central que investe em obter a expressão das comunidades locais sobre como vêm a sua realidade e como pretendem lidar com ela.

Tanto a Agenda da Juventude como o Programa Bairros Saudáveis constituem excelente demonstração da confiança do governo central na capacidade de as populações pensarem e agirem com responsabilidade em defesa de respostas às necessidades que sentem e exprimem. Um excelente testemunho em como as orientações da Declaração de Xangai estão a ser aplicadas no contexto português. Esta cultura de colaboração entre vários setores e de parceria com as comunidades na coconstrução da saúde parece estar, finalmente, e como é desejável, a implementar-se com solidez no nosso país.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

 
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