O bom uso da Navalha de Ockham

Não devemos confundir o simples com o simplista.

O princípio da navalha de Ockham postula que, ao comparar diferentes alternativas que nos auxiliam a resolver um problema, as teorias mais simples são preferíveis às mais complexas porque tendem a ser mais testáveis. Na realidade, para cada problema pode haver um número extremamente elevado, talvez mesmo incompreensível, de alternativas possíveis e mais elaboradas.

Uma vez que as explicações falaciosas podem sempre ser sobrecarregadas com hipóteses ad hoc para evitar que sejam desmontadas, devemos privilegiar abordagens mais singelas. Por outro lado, este interessante princípio não deverá ser usado para justificar traços de preguiça mental que evitem encontrar a melhor solução para os desafios que nos deparamos e abraçar alternativas simplistas. Ou seja, não devemos confundir simples com simplista.

Abraçar a complexidade (quando não há alternativa) 
A atualidade mostra que os líderes mundiais de diversos setores como, por exemplo, a Amazon no retalho, são obsessivos em encontrar soluções disruptivas para os diferentes desafios que enfrentam, fazendo uso de abordagens de extrema complexidade. As lojas Amazon Go nos Estados Unidos, por exemplo, estão pejadas de tecnologia e algoritmos avançados para permitir uma entrada e saída de loja com compras e sem intervenção humana.

Esta complexidade também pode ser encontrada no algoritmo de pricing dinâmico da loja online do mesmo retalhista. Os dados que dispomos permitem concluir que este algoritmo faz uso de centenas de variáveis para ajustar ao longo do dia, e para cada cliente, o preço mais interessante a mostrar.

Com o mesmo exemplo, é interessante notar que toda a complexidade não transparece para o cliente que compra através da app da Amazon uma miríade de produtos através de somente um clique. Pode até ser assustadora a simplicidade com que se efetua uma compra online com o esforço de clicar uma única vez num botão.

Assim, estas organizações são capazes de fazer um bom uso da navalha de Ockham privilegiando opções de elevada simplicidade, em particular na interface com o cliente, mas compreendendo que, num ambiente cada vez mais competitivo, as soluções de maior complexidade podem, em muitos casos, dominar outras opções.

Mais dúvidas que certezas: a importância de conhecer 
Para adquirir a mesma mestria que a Amazon a manobrar a navalha é fundamental estarmos preparados para lidar com ambientes e técnicas de maior complexidade, não cortando a direito quando o melhor trajeto implica contornos mais delicados. Essa preparação exige aprendizagem, rigor e perseverança. Características que temos, coletivamente, de privilegiar.

É importante referir que não é preciso atravessar o Atlântico para termos exemplos de empresas com a mesma destreza. O nosso mais recente unicórnio, a OutSystems, é capaz de tornar simples o desenvolvimento de aplicações de software para o utilizador, escondendo toda a complexidade a montante da interface.

Para baralhar as contas, sugiro a leitura de um artigo de abril da Nature relacionado com este tema. Neste artigo, os investigadores mostram que as pessoas falham sistematicamente ao procurarem soluções que acrescentam complexidade e ignoram alternativas que são dominantes por descomplicarem o caminho para a solução. Em conclusão, os investigadores conjeturam que este nosso viés poderá ser uma das razões pelas quais as pessoas têm muita dificuldade em mitigar os horários sobrecarregados, a burocracia institucional e os efeitos nocivos sobre o planeta.

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