Feliz Dia Mundial da Santíssima Telecomunicação

Esta segunda-feira é o dia mundial das telecomunicações, e estranho o facto de não lhes haver um feriado à escala global.

Tenho cá para mim que, caso alguns criadores conhecessem de antemão os resultados práticos das suas invenções, teriam aplicado o seu tempo noutra coisa. Numa pós-graduação em crochet ou na demorada análise da refracção da luz no oceano, sabe-se lá. A questão é que todas as invenções trazem consigo um propósito idealizado, e a espécie ainda não percebeu que em qualquer invenção há potencial para que a coisa dê para o torto.

Quando Marconi começou a trabalhar em comunicações à distância, não podia prever que um dia alguém ia criar a CMTV, ou que o Alex Jones ia poluir as ondas hertzianas com os seus grunhos mascarados de eloquência, ou que o grupo da família no Whatsapp ia encher-se de maluquinhos anti-vacinas e memes que foram engraçados em 2005.

Esta segunda-feira é o dia mundial das telecomunicações, e estranho o facto de não lhes haver um feriado à escala global. Dão-se feriados à paz e ao trabalhador, dá-se até um teor sagrado ao nascimento de há dois mil anos de um garoto esperto do Médio Oriente, e não há a decência de entregar um dia santo à internet por tudo o que já nos deu e por tudo o que ainda tem para dar. Muitos dirão que a internet está pejada de horrores para ser glorificada e que seria um gesto de ingénua boa vontade acreditar que o mundo online pode ser melhor de dia para dia.

E eu respondo que também não é por se celebrar o dia mundial da paz que Israel pára de assassinar civis palestinianos sem um pingo de vergonha, e que não é por se celebrar o dia do trabalhador que a Amazon deixa de obrigar os seus funcionários a fazer chichi para uma garrafa (alegadamente, claro), já para não dizer que a religião também se construiu em cima de duas ou três atrocidades e o domingo continua a ser dia de ir à missa com o fato oferecido pela madrinha.

Até na inovação mais inocente há um ponto negativo. Há pouco tempo, num podcast divertido da BBC chamado The Boring Talks, sobre temas que, como o próprio nome indica, são um aparente aborrecimento, ouvi alguém explicar que houve um grande debate em Inglaterra na altura em que começaram a ser erigidos postes de iluminação. “Iluminação pública: contra ou a favor?”, perguntavam os jornais, e a discussão era acesa – trocadilho fácil, mil perdões. O que é certo é que o sim ganhou, e assim se abriram as portas para que hoje tenhamos tanta poluição luminosa que os nossos cérebros andam completamente baralhados sobre as horas a que devem adormecer.

Evidentemente, todo este negativismo é má vontade do cronista. Logo a começar porque as sete pessoas que prestam atenção a este texto não poderiam fazê-lo se não fossem as telecomunicações: se não houvesse internet nem telefones, este texto ficaria escondido numa gaveta ou, mais provável ainda, não existiria.

O que, agora que penso nisso, talvez não fosse mau de todo. Seja como for, bendita internet e benditos telefones, que cumprem cada vez melhor o propósito a que se predispõe toda e qualquer tecnologia humana: facilitar tudo ao máximo em prol da nossa fome de inacção – não tenho de me levantar para mudar de canal, não tenho de sair de casa para reunir com aquele cliente que diz “fizestes” ou “comprastes”, não tenho de tirar um curso de Relações Internacionais para poder ter uma opinião sobre a posição oficial do Equador no que concerne à questão da utilização de um drone em Marte.

Já para não falar de todos os actos benévolos que já foram possíveis graças a um telefonema ou a um post numa rede social. Mal por mal, valha-nos essa rede mágica que nos vai aproximando – nem que seja para insultar um primo com mais facilidade.

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