Comunicar Saúde e Ciência: mais diálogo, melhor saúde

A implementação do conhecimento para mais e melhor saúde para todos implica uma visão ampla, que considere os determinantes sociais de saúde, e um diálogo multidisciplinar e multissetorial, não esquecendo a necessidade de ouvir e envolver o cidadão.

A pandemia tem-nos mostrado o ritmo impressionante a que se produz conhecimento em saúde pública, mas também o desfasamento entre esse conhecimento e os resultados em saúde, trazendo à tona o desafio da tradução do conhecimento em prática. O que falhou? O que falha? Falha, entre outros aspetos, o elemento mais básico da tradução do conhecimento em prática: o diálogo.

A comunicação em saúde é muitas vezes pensada estritamente como a partilha de informação sobre saúde de forma a influenciar decisões e comportamentos. Mas a comunicação em saúde é mais do que apenas informação, implica envolver, pois trata-se de mobilizar as pessoas e comunidades para uma determinada causa, tornando-a sua, assumindo um papel e um compromisso. Não basta partilhar mensagens claras e rigorosas, é necessário garantir mensagens relevantes e mobilizadoras. Para isso, é preciso considerar a evidência de diferentes áreas do saber, mas também ouvir a população.

Vamos considerar a utilização da comunicação com o propósito de apoiar as pessoas a adotarem comportamentos de proteção individual. Ao longo da pandemia, a evidência emergente foi determinando a decisão e as recomendações a comunicar à população. Décadas de investigação e teorização sobre processos de mudança serviriam para apoiar o desenvolvimento e disseminação das mensagens.

E o que já sabíamos sobre mensagens de risco e proteção? Eis alguns exemplos.

Sabíamos que era preciso mobilizar o medo, mas um medo otimista, aquele medo que nos leva a valorizar as medidas de proteção e a acreditar que as nossas ações fazem diferença. Mensagens de elevada ameaça podem ter efeitos paradoxais, como levar-nos a paralisar, racionalizar e encontrar exceções para o nosso caso (“isto não me acontece a mim”, “eu tenho um bom sistema imunitário”) ou adotar comportamentos irracionais (como ir comprar papel higiénico suficiente para um bairro inteiro). Em vez disso, precisamos de mensagens que desencadeiem medo e preocupação, mas também confiança na nossa capacidade de influenciar o risco.

Sabíamos que é preciso que as pessoas transportem o risco para o seu dia a dia e que o valorizem em todas as circunstâncias. Ora, as pessoas sentem-se mais ameaçadas em situações que controlam e conhecem menos (nos transportes, no supermercado) e tendem a sentir-se seguras nos contextos mais familiares e junto daqueles que lhes são próximos. Por isso, não basta ter uma comunicação que vem das autoridades, é preciso que as mensagens venham dos contextos em que vivemos, das nossas pessoas, que corram de boca em boca, induzindo uma preocupação solidária entre todos.

Sabíamos que precisávamos de mobilizar as pessoas para uma noção de saúde pública e não apenas de saúde individual. Por isso, as mensagens devem apoiar a autonomia e enfatizar o valor pessoal e social dos comportamentos, favorecendo a empatia. Pelo contrário, mensagens que mobilizam emoções como a culpa ou a vergonha favorecem a alienação moral, a negação ou transferência da responsabilidade pelo comportamento e também o estigma.

Nem tudo o que sabíamos se concretizou na forma como comunicámos. Por outro lado, nem sempre o que sabemos à partida é suficiente para desenvolver e disseminar mensagens, é preciso olhar para cada contexto e ouvir. A implementação do conhecimento para mais e melhor saúde para todos implica uma visão ampla, que considere os determinantes sociais de saúde, e um diálogo multidisciplinar e multissetorial, não esquecendo a necessidade de ouvir e envolver o cidadão.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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