O pólo, o centro e o resto: devaneios político-geográficos

O PSD tem que reclamar todo o seu espaço do centro e definir claramente a sua estratégia. Assim clarificando todos os outros posicionamentos e tornando o panorama perceptível aos que se desiludiram pela falta de referências. E isto, porque os dirigentes do PSD não o fizeram, faz-se convocando os seus militantes para um congresso.

Até há pouco tempo, simplificando, podíamos imaginar o cenário político como um planisfério, com o seu meridiano central e os hemisférios este e oeste, lidos a partir da sua longitude. Nesta cartografia política, a longitude define-se como esquerda e direita. O que não se deve confundir com a posição geográfica dos Estados que definiram os blocos Ocidental (tidos como mais à direita) e de Leste (tidos como de esquerda), para além dos “não-alinhados”.

Deixemos, por hoje, o problema da latitude (Norte/Sul). Mas, recordemos que os planisférios permitem a localização dos pontos geográficos através de coordenadas. Recordemos ainda que entre o Pólo Geográfico Norte (norte verdadeiro) e o Norte Magnético existe uma declinação angular magnética variável em função do ponto da Terra onde nos encontremos. Conforme a localização, porque as referências geográficas de um mapa querem-se constantes, teremos que rectificar o Norte apontado pela bússola, declinando-o de acordo com a variação existente no local (na realidade, ao longo da respectiva linha ou curva isogónica) onde nos encontremos.

Na política, de certo modo, foi-se tentando fazer o mesmo (para “não perder o norte”, pois claro). Por isso, dependendo das declinações, a esquerda e a direita iam variando conforme a época e o ponto do globo onde nos encontrássemos. A esquerda norte-americana (que deveríamos dizer estado-unidense quando não se inclui o Canadá) não terá exactamente as mesmas coordenadas que as esquerdas europeias, por exemplo. Mas, ainda assim, traduziam-se depois em coordenadas globalmente compreensíveis pelas correcções efectuadas pelo cálculo das respectivas declinações. Desta forma, também no planisfério político, poderíamos todos localizar a longitude do posicionamento ideológico-político.

No discurso político moderno, e também em Portugal, está-se agora a fazer o contrário: vamos ajustando a longitude cartográfica às declinações magnéticas. Isto é, parte-se de onde estamos e faz-se coincidir com a declinação. É o suficiente para não conseguirmos apontar num mapa político o local (objectivo) para onde queremos ir, ou o lugar onde estamos ou sequer de onde saímos. É, pois, esta a nova experimentação na orientação política que, ao ser aplicada em Portugal, explica a desorientação e a falsidade dos que nos querem hoje mostrar como são as nossas referências “geopolíticas”. Andamos, pois, à deriva. Senão, veja-se:

Sem prejuízo de novas concepções que propõem olhar para o panorama político de forma diferente, sem referências a direita e esquerda, ainda assim elas mantêm-se nos discursos. A continuar a aplicar esquerda e direita ao posicionamento dos partidos no plano longitudinal do planisfério político, então deveríamos manter fixas as coordenadas cartográficas, o que se faz corrigindo as declinações magnéticas ideológicas de forma a conseguirmos encontrar o posicionamento de todos os pontos. Isto é, a esquerda é a esquerda, a direita é a direita, entre elas está o centro, e nos pontos mais afastados deste, para ambos os lados, estão os extremos.

Ora, ao forçar o posicionamento à declinação e não o contrário, quer agora dizer-se que o PSD é um partido de centro-direita e que o PS é um partido de centro-esquerda, assim fazendo-se deslocar o PCP e o Bloco de Esquerda (a UDP e o PSR) da extrema-esquerda para a esquerda e o CDS ainda mais para a direita (ajudado pela inércia resultante das deslocações dos tempos do PP). Assim se altera, num ápice histórico, o posicionamento de cada posição (partidos) no mapa da política nacional.

O fenómeno não é originariamente português. Ele decorre de duas poderosas forças da actualidade: o revisionismo histórico e o esbatimento/relativismo das concepções filosófico-políticas. Mas, se estamos perante uma nova realidade, porquê utilizar antigas designações? Se esquerda e direita já não fazem sentido, porque utilizá-las para tentar definir novas realidades? Só se pode concluir que se faz para permitir que o rearranjo se faça permitindo e induzindo a confusão geopolítica.

Sejamos claros: faz-se para que a extrema-esquerda (UDP, PSR e PCP) se possa renovar aos olhos dos novos eleitores como se fossem partidos de uma esquerda democrática. Faz-se para que a esquerda (PS) se possa insinuar aos eleitores do centro. Faz-se porque o centro se deixou empurrar para fora do seu posicionamento, querendo a esquerda encostá-lo muito mais à direita para lhe tomar o espaço central. Faz-se ainda, porque o centro-direita achou que poderia afirmar-se pelo seu flanco mais à direita. Ao fazer-se assim, empurrou-se todo o espaço político, em bloco, da esquerda para a direita. Como consequência, entrou-se de rompante por terrenos indesejáveis desde o fim da Segunda Grande Guerra, assim despertando aí a extrema-direita. É o que está a acontecer por todo o lado onde a extrema-direita desponta (excepto no turno de vigia da Senhora Merkel, que não se deixou arredar da sua posição, assim evitando agitar o vespeiro da extrema-direita alemã).

Ora, convenhamos: nem os partidos que constituem o Bloco de Esquerda e o PCP se transformaram verdadeiramente em partidos da esquerda moderada e democrática (o que, por definição, só se poderia provar se tomassem o poder), nem o PS se transformou em partido do centro, ou sequer do centro-esquerda (o que se prova pela confusão irreconciliável das posições por detrás da sua pseudo-acção política), nem o PSD se desequilibrou desamparado para a sua direita abandonando o centro (o que se sabe pela suas posições de intervenção social), nem o CDS se deveria ter feito desaparecer no espaço do seu flanco direito, assim permitindo que esse extremo se normalizasse. Isto resulta da orientação que as direcções partidárias de esquerda têm tido como estratégia de salvação (e as do centro e centro-direita têm-se deixado levar): a extrema-esquerda percebeu que se não tomasse a posição esquerda do PS, desapareceria. A esquerda moderada (PS) percebeu que se não se estendesse para o centro, desapareceria entre o centro e a nova esquerda (como acontece a vários partidos socialistas europeus). E isso está a querer empurrar o centro para a sua direita, fazendo assim saltar a extrema-direita do espaço debaixo da pedra para onde a história a tinha remetido.

Mas, de quem é a culpa? Em Portugal, a maior fatia da culpa é do centro. E porquê? Por um enorme complexo de razões que, entre outras, incluem uma aliança que no passado se fez com os socialistas permitindo o bloco central, assim atraindo aqueles para o centro. Porque permitiu que a sua esquerda (PS) simulasse uma agregação fictícia à esquerda e, simultaneamente, lhe entrasse pelo flanco (tendo conseguido uma impensável continuidade que vai desde a extrema-esquerda até ao centro-esquerda, almejando o centro. Quase como uma nova União Nacional, desta feita de pendor esquerdista, e onde até se fala em proibir partidos, ainda que “só” da extrema direita!)

O centro sempre foi o espaço da síntese. O espaço da reforma. Porque existe um centro, todas as coordenadas longitudinais têm lugar no planisfério político, pois é da existência de todo o espectro do pensamento político que se consegue fazer a sua síntese viável. O centro é sempre o caminho da conciliação das políticas possíveis e necessárias, porque resulta da moderação. É o ponto central de todo o espectro. É a confluência do denominador comum da experiência humana e da sua capacidade de realização em normalidade. Mas é a existência de longitude à esquerda e à direita do centro que permite os avanços e recuos que fazem o mundo progredir. Ou seja, abana-se à esquerda e à direita para manter o centro! Por isso, o centro fala com todos e todos ouve. E depois actua sem ceder às pretensões extremas de uns e outros.

Assim, ou se abandona o conceito esquerda-direita ou se mantém. E, se se mantém, então ponhamos cada macaco no seu galho: a UDP e o PSR (o Bloco de Esquerda) são da extrema-esquerda. O PCP é da extrema-esquerda ou da esquerda utópica (como preferirem). O PS é de esquerda (ainda que com um vector amplo). O PSD é do centro (com direito a um vector que vai do centro-esquerda ao centro-direita). O CDS é do centro-direita. A extrema-direita é ocupada pelo Chega e o PNR (Ergue-te, clamam agora). Assim definidos, será mais fácil orientarmo-nos. Tal como o Norte é o Norte. O Sul é o Sul. Oeste é Oeste. E Leste é Leste. Mas, perante os erros da leitura cartográfico-política, há que reposicionar todos no planisfério político.

E como se faz este reposicionamento? Obrigando o centro a reafirmar o centro. Ou seja, obrigando o PSD a reclamar todo o seu espaço do centro, que vai do centro-esquerda ao centro-direita. Obrigando o PSD a definir claramente a sua estratégia. Forçando-o a comprometer-se com uma visão clara e ambiciosa de futuro. Assim clarificando todos os outros posicionamentos e tornando o panorama perceptível aos que se desiludiram pela falta de referências (abstencionistas). E isto, porque os dirigentes do PSD não o fizeram, faz-se convocando os seus militantes. Convocando-os para obrigarem a direcção a fazê-lo. Porque o centro é reformista, não se faz com uma revolução: faz-se com um congresso. Por isso tenho reclamado a convocação de um congresso extraordinário em www.psd-congresso.com. Para olhar para o mapa político e perceber que é a partir do meridiano central que toda a longitude se mede. Para depois então, finalmente, se perceber onde está o Norte e assim planearmos um curso ambicioso e decidido para Portugal.

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