Antigos chefes militares contra a reforma das Forças Armadas

Duas iniciativas idênticas, em 2009 e 2014, foram travadas, mas para o actual Governo, à terceira, a 18 de Maio, é de vez.

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Reforma de Gomes Cravinho na mira de generais e almirantes LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

Vinte e oito ex-chefes de Estado-Maior dos três ramos, incluindo o antigo Presidente da República Ramalho Eanes, assinaram uma carta a contestar o processo da reforma das Forças Armadas do Governo que vai a votos esta terça-feira no Parlamento. Há quatro dias, o ministro da Defesa Nacional tinha-se referido a manobras escusas de antigas altas patentes

Na carta enviada esta quinta-feira ao Presidente da República, primeiro-ministro, ministro da Defesa e grupos parlamentares, este grupo de oficiais — a grande maioria dos chefes militares pós 25 de Abril de 1974, à excepção do general Valença Pinto recomendam prudência e reflexão. E acusam o ministro João Gomes Cravinho de acção política apressada e não convencional.

“Deixaram-se por resolver inúmeros problemas, públicos e notórios, que se prendem com a não-coincidência dos recursos disponibilizados com os objectivos definidos”, refere a missiva a que o semanário Expresso e o DN tiveram acesso.

No diagnóstico feito à realidade das Forças Armadas, consideram que a situação se degradou e lançam suspeitas sobre os negócios da Defesa, embora não especificando casos concretos, mas referindo as áreas das indústrias do sector, dos programas de reequipamento militar e de gestão do património imobiliário.

Este último argumento é a novidade da carta que, no essencial, condensa as posições assumidas por aqueles militares desde o anúncio da alteração da Lei Orgânica de Organização das Forças Armadas e subsequente adaptação da Lei de Defesa Nacional, entre as quais, já constava uma anterior tomada de posição numa entrevista, em nome individual, do general Ramalho Eanes.

Nesta segunda-feira, em declarações à Lusa, Gomes Cravinho tinha referido que uma agremiação de antigos chefes militares tentava perpetuar a sua influência nas Forças Armadas, comentando as suas diligências para travar a reforma que concentra poderes no Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.

O ministro referia-se, implicitamente, ao Grupo de Reflexão Estratégica Independente (Grei), associação constituída por diversos antigos chefes militares, que manteve contactos com os grupos parlamentares, explicando os motivos da sua oposição à reforma. O PÚBLICO sabe que, há duas semanas, decorreu a reunião mais crucial deste périplo, com o PSD. Contudo, o principal partido da oposição reiterou o seu apoio à reforma que foi aprovada pelo Governo em Conselho de Ministros 8 de Abril.

Nas declarações desta segunda-feira, Gomes Cravinho insistiu que o debate é político e deve ter como palco o Parlamento, desenhando o contraponto de um debate público a iniciativas privadas. “Não é assim que a democracia funciona”, sentenciou, comentando as iniciativas dos oficiais-generais na reforma. 

Será também na Assembleia da República que o ministro, que desde o fim da tarde desta quinta-feira se encontra nos Açores, vai responder às acusações políticas e de estilo e às suspeitas de pressões económicas formuladas pelos ex-chefes. Esta sexta-feira de manhã, o titular da Defesa optou por não fazer comentários

No Parlamento, a proposta governamental conta com o apoio do PS, PSD e CDS, embora o titular da Defesa tenha sempre defendido um maior e mais vasto consenso político. Em cima da mesa, além da proposta de lei do Governo, está, também, um projecto de lei do PCP.

Curiosamente, nesta quinta-feira, quando chegou a Belém a carta de contestação dos antigos responsáveis militares, o Presidente da República recordou as áreas de tradicional consenso entre PS e PSD. Na sua entrevista à RTP, Marcelo Rebelo de Sousa referiu-se, concretamente à política externa e de defesa, o que não deixa de ter significado.

Neste quadro, a atitude dos ex-chefes parece ser o derradeiro episódio da reprise de contestação já formulada em 2009 e 2014 às reformas então apresentadas, e travadas, pelos ministros Nuno Severiano Teixeira e Aguiar Branco. Na lógica do actual Governo, à terceira é de vez.

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