Os enfermeiros não são “heróis”; são profissionais qualificados

Neste Dia Internacional do Enfermeiro, mais importante do que qualquer agraciamento, importa que nos desprendamos da visão histórica, verdadeiramente antiquada e desfasada da realidade, na qual a Enfermagem era encarada como uma vocação. Em pleno século XXI, a Enfermagem é, essencialmente, uma profissão e uma disciplina do conhecimento.

Celebra-se hoje, dia 12 de maio, o Dia Internacional do Enfermeiro. Este ano o tema escolhido pelo Conselho Internacional de Enfermeiros (ICN) para assinalar a data foi “Enfermagem: Uma Voz para Liderar – Uma visão de futuro para os cuidados de saúde”, numa clara alusão, pela positiva, às soluções inovadoras de saúde que foram criadas para dar resposta às necessidades dos cidadãos durante a pandemia da covid-19.

Contrariamente ao que alguns discursos idílicos sugeriram aquando do início da atual crise sanitária, esta acabou por trazer muito mais dificuldades às pessoas, às famílias e à própria sociedade do que benefícios. Até à data ainda não “ficou tudo bem” e, ainda que alguns aleguem que estamos a viver um “novo normal”, importa que não esqueçamos que, na verdade, continuamos a experienciar uma situação de exceção, a qual esperamos ultrapassar com a máxima brevidade para, aí sim, podermos retornar à normalidade.

Os sistemas de saúde e, em Portugal, sobretudo o tantas vezes injustamente criticado Serviço Nacional de Saúde, têm permitido que nos mantenhamos à tona. Porém, a pandemia deixou a nu problemas antigos, expô-los de uma forma crua e muito clara e despertou a atenção da população geral para esses mesmos problemas.

A primeira questão com a qual nos deparamos, mas que não era nova, foi a escassez de recursos humanos, especificamente de enfermeiros. Percebemos hoje claramente que os ventiladores não operam sozinhos e que são necessários recursos humanos qualificados para esse fim. Estima-se que existam 27,8 milhões de enfermeiros em todo o mundo, cerca de menos 5,9 milhões do que aqueles que seriam necessários para prestar cuidados de saúde de excelência à população, e este trata-se de um problema ainda mais evidente nos países de baixo rendimento.

A segunda questão prendeu-se com as problemáticas relacionadas com a saúde mental que, muito rapidamente, deixaram de ser um tema negligenciado e passaram a figurar amplamente nos meios de comunicação social. Foram feitos diversos estudos junto de profissionais de saúde, em alguns casos concretamente junto de enfermeiros, que indicaram que estes estavam entre os grupos mais afetados, ao nível da sua saúde mental, pela pandemia da covid-19. Mais uma vez, contudo, este não era um tema novo. Já em 2017, em contexto pré-pandémico, um estudo realizado em Portugal com uma amostra de 1264 enfermeiros indicava que 60,6% dos inquiridos tinha uma perceção negativa da sua saúde mental, sendo que, desses, 94,1% percecionava disfunção social, 76% referia sintomas de ansiedade e insónia, e 22,2% fazia mesmo referência a sintomas de depressão grave.

A pandemia da covid-19 colocou uma extrema pressão sobre os sistemas de saúde, mas o core da profissão de Enfermagem não se alterou e os enfermeiros, como habitualmente, souberam adaptar-se às circunstâncias e criar soluções que lhes permitiram manter a proximidade dos utentes. A título de exemplo, foram diversos os serviços de saúde que adaptaram as consultas de Enfermagem e as transformaram em consultas à distância fazendo uso das potencialidades, há muito reconhecidas mas escassamente potenciadas, da telenfermagem. Percebe-se hoje que este se trata de um recurso valioso, agora mais desenvolvido, que naturalmente não substitui as consultas presenciais mas que pode facilitar o acesso de alguns cidadãos aos serviços de saúde.

Neste Dia Internacional do Enfermeiro, mais importante do que qualquer agraciamento, importa que nos desprendamos da visão histórica, verdadeiramente antiquada e desfasada da realidade, na qual a Enfermagem era encarada como uma vocação. Em pleno século XXI, a Enfermagem é, essencialmente, uma profissão e uma disciplina do conhecimento. No fundo, tudo se resume nas palavras de Dame Donna Kinnair, diretora executiva e secretária-geral do Royal College of Nursing: “Os enfermeiros não são ‘anjos’ ou ‘heróis’ – são profissionais graduados, altamente competentes e multiqualificados que merecem ser remunerados condignamente”.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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