Tribunal de Contas: “Não basta que o BCE nos diga: o valor é este e passem o cheque”

Tribunal de Contas apresentou no Parlamento conclusões da auditoria ao financiamento público ao Novo Banco. “Ao menos queremos compreender as contas”, diz juiz relator, que deixou críticas à falta de transparência para escrutinar os dinheiros públicos colocados no banco pelo Fundo de Resolução.

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LUSA/MÁRIO CRUZ

O juiz conselheiro José Manuel Quelhas, relator da auditoria do Tribunal de Contas (TdC) ao Novo Banco, defendeu esta quarta-feira que “não basta que o Banco Central Europeu (BCE) nos diga: o valor é este e passem o cheque” para justificar os pagamentos do Fundo de Resolução (FdR) ao banco.

O Banco de Portugal e o Fundo de Resolução garantiram que cabe ao BCE verificar as condições das injecções de capital em face das necessidades apresentadas pelo banco, tendo o FdR garantido que esta informação foi enviada ao TdC. Mas o juiz que escreveu o relatório diz que esta “não é uma questão de fé” e explica o que o tribunal pretende: “Ao menos queremos compreender as contas”.  

O auditor falava no Parlamento, onde o TdC apresenta as principais conclusões da auditoria ao financiamento público do Novo Banco, entre elas a de que existem falhas na demonstração, verificação e validação dos pagamentos feitos pelo FdR ao Novo Banco e que somam quase 3000 milhões de euros. 

“O que é que quer o Fundo de Resolução quer o Banco de Portugal, nomeadamente através do senhor governador, dizem? A entidade a quem compete verificar é o BCE. A insuficiência de capital decorre de regras europeias. Logo, todos estes valores estão mais que verificados pelo BCE. Eu quando ouvi estas respostas pensei: eu sou católico, confio na infalibilidade papal e na cidade no Vaticano, mas apenas em questões de fé. Dificilmente, confio numa questão de fé em algo que me é dito por Frankfurt e pelo BCE. Não é uma questão de fé. Não basta que o BCE nos diga: o valor a pagar é este e passem o cheque.”

O juiz explica a posição do tribunal: “Ao menos queremos compreender as contas. Nem estamos a dizer se elas estão certas ou erradas”. O auditor considerou que esta não é uma questão de pormenor e refutou críticas recebidas pelo tribunal no âmbito do contraditório, quando o tribunal é criticado por insistir na questão dos prazos de reporte de informação. “Está no contrato”, diz o juiz. Ou seja, “aqueles valores mesmo sendo do BCE devem ser compreensíveis”. “Não aceito a infalibilidade do BCE e de Frankfurt”. 

O Banco de Portugal frisou, no comunicado emitido no dia em que a auditoria do TdC foi conhecida, que “no que se refere, em particular, à necessidade de serem apropriadamente demonstrados, verificados e validados os cálculos do capital do Novo Banco, que determinam os valores a pagar pelo Fundo de Resolução, o Banco de Portugal confirma que é competência exclusiva da autoridade de supervisão prudencial – no caso, o Banco Central Europeu, no quadro do Mecanismo Único de Supervisão, em que o Banco de Portugal participa – proceder a essa verificação”.

O Fundo de Resolução deu a mesma garantia, assegurando ainda que o “Fundo de Resolução obteve sempre a adequada confirmação junto da autoridade competente quanto às necessidades de capital do Novo Banco, procedimento que foi já confirmado por correspondência trocada com o Banco Central Europeu, e de que foi dado conhecimento ao Tribunal de Contas”. 

Novo Banco disse ao TdC que há cláusulas que não podem ser cumpridas

As considerações do juiz não se dirigiram apenas ao Banco de Portugal e ao Fundo de Resolução. Referindo o contraditório do Novo Banco, o juiz José Manuel Quelhas recorda que a instituição diz que “há cláusulas que são inviáveis e consequentemente não são vinculativas. Ou seja, o contrato previa, no entender de um dos signatários que havia cláusulas que eram insusceptíveis de cumprimento”.

“Direi, deram conta quando? Ao fim de um ano, dois anos, três anos?” Quelhas conta que houve uma ordem do Banco de Portugal para assinar o contrato por força do comprador que é a Nani Holdings (dona da Lone Star). E insiste: “O que nós dizemos é: deixem-nos ver”. “Houve documentos fundamentais que nós não vimos”, o que deixa a dúvida: “Não vimos porque eles não existem. Não vimos porque não foram considerados relevantes?” O juiz reconhece que há uma questão de interesse público e estabilidade financeira, “mas se havia contrato que deveria ser escrutinado e ter tido todo o cuidado possível do ponto de vista da execução é um pouco este”. 

O juiz defendeu que, sendo matérias muito técnicas, elas têm de ser “claras, transparentes e compreensíveis”, tendo estranhado também que o contrato esteja em inglês. “Esta matéria não pode ficar apenas no domínio de um grupo de cavalheiros, provavelmente muito bem-intencionados, que fazem acordos entre si”. 

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